O novo, somente o novo atrai os olhos da população, que vidrada, abobada com as construções faraônicas se deixa levar por falácias, mitos do capital. Quando não já se foi desprezado de nossa história para que se ergue-se a modernidade? Quantos prédios não foram jogados ao chão por simples fetiches de homens de pensamentos unilaterais? Não só no que se fala de espaço material, mas também em toda nossa cultura imaterial muito já foi desprezado. Hoje pouco se escuta o som do pifano, do ganzá, do acordeon, outros tempos, outras mentes, preconceitos idênticos. O Rio de Janeiro transformou-se em Paris no século passado, São Paulo verticalizou-se de uma hora para outra, eis que chegou a hora de Recife, que sem voz, vai aos poucos ganhando forma de uma Dubai em pleno nordeste. Mas não é tão fácil assim, não se mexe com quem está ileso, sem ofender, sem querer brigar. Ao encostarem no Estelita, incomodaram os jovens que se esforçam para preservar seus traços culturais, afetaram os professores que diariamente transmitem o amor pela história, por seu povo, atingiram até os cantores, escritores, atores que por ai vagam. Atingiram o povo e isso meus amigos, isso não se faz.
Na literatura essa constante de querer mudar por mudar acontece séculos pós séculos, mas existe uma diferença entre a escrita e os interesses econômicos. Machado colocou um basta entre eras, fez da antiga literatura a nova e remodelada arte, isso causou impacto em diversos contextos, assim como na música podemos ver uma transição brusca dos estilos. Saímos da bossa nova, corremos para os festivais, instituímos uma MPB formada por diversos ângulos e hoje vemos emergir movimentos como o funk carioca e o sertanejo universitário. Já cantara Elis: “O novo sempre vem.” O problema é quando esse novo afeta diretamente as estruturas sociais, políticas e econômicas. Brasileiro tem a mania de se comparar com europeu. Vamos brincar com isso também. Nos comparemos à França. O país famoso por suas belas artes não mede esforços para valorizar uma faísca de história. Eles tem o Louvre, tem o rastro de revoluções que só deixam ainda mais fixo na mente do povo o quanto é necessário preservar enquanto se pode. Resguardar o patrimônio, é a sua identidade, fala de onde viestes e pra onde vai. Senta brasileiro e pensa: Porque se comparas tanto ao homem europeu e não ages como ele? Nem que seja no sentido cultural? Porque não se deixa levar por tuas raízes, pelos ensinamentos passados de geração por geração? Porque tens medo de tocar no que te pertence e levantar bandeira? Porque ao se comparar com o Francês desejas antes de mais nada esquecer que um dia foi brasileiro?
Diariamente as tribos indígenas são pressionadas a abandonar suas crenças, suas moradias e são cada vez mais empurradas para o interior da floresta Amazônica. A exploração sem poréns, sem contenções é causada diariamente graças à um legislativo lotado de interesses, uma cúpula egocêntrica, eleita pelo povo e que nunca servira o mesmo. Isso ocorreu no Recife. O projeto “Novo Recife” fora aprovado pela Câmara e sancionado pelo prefeito da capital, Geraldo Júlio (PSB). O chamado líder Socialista tomou medidas neoliberais, isso nos leva a uma discussão que vem batendo sempre na mesma tecla, existe ainda uma esquerda e uma direita no Brasil? Ou são os políticos, de direita e de esquerda quando lhes convém? Ergue-se-á treze torres onde hoje está o Cais Estelita. Se depender da prefeitura, que mesmo contra o ministério público aprovou o início das obras, cairá por terra uma área que há muito já deveria ter sido tombada como Patrimônio Histórico e se erguerá uma construção nascida da ganância, da cede das construtoras por espaço, por dinheiro. Mas o povo não para, o povo não se cansa e assim como eles sonham com o levantamento de suas torres, nós, os estudantes, os professores, os civis inofensivos, saltamos sem receios, sem temor do que está por vir e deixamos claro que a cidade tem dono. O estado tem dono. O país pertence ao seus integrantes e nada mais
Já cantara Antônio Nóbrega: “É Pernambuco falando para o mundo!” Fala e como fala, grita que devemos nos mobilizar e parafraseando o próprio Nóbrega novamente: “Vinde, vinde, moços e velhos!”. Venham para as ruas, caminhem, onde quer que seja, por seus direitos, por oportunidades de se expressar. Cantemos, gritemos o máximo que pudermos para que os patrimônios sejam tombados, para que os escritores possam escrever, para que os professores possam ensinar, para que um dia, esse país, por mais utópico que seja, se valorize. Que prédios não bloqueiem nossa visão, nosso anseio por mudanças eficazes, que a democracia mostre sua existência, que em meio a tentativas de nos transformarem em surdos, possamos ouvir, o ecoar das palavras planejadamente colocadas nos livros, nos versos, estampadas nos grafites. Ainda na companhia de interpretes, lembremos de Elis, que cantando “Redescobrir”, dera voz à seguinte frase: “Não tenha medo, meu menino povo” e todos, em um de seus últimos shows, completaram: “Memória!”. O que nos falta. Memória.
Resiste Estelita.