MONTGOMERY, AL – MARCH 25: Dr. Martin Luther King, Jr. speaking before crowd of 25,000 Selma To Montgomery, Alabama civil rights marchers, in front of Montgomery, Alabama state capital building. On March 25, 1965 in Montgomery, Alabama. (Photo by Stephen F. Somerstein/Getty Images)
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The Epic Battle: Diz que fui por aí (Deixa girar)

Então não pude seguir,

valente em lugar tenente
E dono de gado e gente,

porque gado a gente marca
Tange, ferra, engorda e mata,

mas com gente é diferente

DISPARADA –  Geraldo Vandré e Théo de Barros

Vou lhe contar o que está ocorrendo com esta “sociedade cheia de mimimi”. Até algum tempo, sim, não percebíamos, mas ocorrera, há alguns meses tudo parecia normal. Ser revolto era de uma normalidade que espantava, era só mais um no meio de tantos, mas hoje as coisas mudaram, não foi? Pararam de te chamar de comunistazinho, de “gente de esquerda”, esses são apelidos extintos, hoje a coisa vai além. Chegou o dia em que ser mais que desprezado é eufemismo, hoje gente que defende bicha, negro, traveco, mãe solteira, prostituta, macumbeiro, gente como nós, bem, é apedrejada ainda com mais força porque virou a era do “não se pode fazer uma piada que mil cairão a tua esquerda”. Ao inferno seus acostumados com não retaliação, que queimem todos esses que passaram anos praticando todas as barbaridades possíveis e impossíveis sem ter alguém para dizer: Ei, boy, tá errado. Não chegamos na época do mimimi, muito menos na da falta de humor, claro que não, perceba, agora mesmo estou rindo desses que se dizem defensores da democracia enquanto desejam estabelecer uma vontade própria para todo um país, estou gargalhando daqueles que chamam candomblé de seita e não aceitam ocupar o mesmo espaço de um negro. Morro de rir e de ira, e minha raiva e minha felicidade se transformam em palavras e tome cuidado seu mísero autoritário, dono da verdade, tome bastante cuidado pois minhas palavras, a voz de meu povo, o clamor que surge entre os milhões de oprimidos, bem, ele é maior que a discórdia que você deseja causar. Já dizia a música: “Avante, xavante, cante”, e cantamos a mais bela música. Música de quem vai para guerra e sabe que não se aceita derrota.

 “O proletariado atravessa diversos estágios em seu desenvolvimento. Sua luta contra a burguesia começa com sua própria existência.” – Manifesto do Partido Comunista, Karl Marx e Friedrich Engles, página 118.

Senhoras divulgando suas histórias, vi nesta madrugada em um dos filmes que estava em minha lista de “Preciso ver antes de morrer para ter opinião sobre”. Histórias Cruzadas é o título do longa, premiado em diversos festivais há alguns anos e com um elenco incrível. Provedor desta coluna (a última desse autor por essas terras) e inspirador para outros momentos. Fiquei atônito com algumas situações, pois já presenciei diversas daquelas (Não em outras vidas, não sei, vai saber…), mas nesta inútil existência e não me orgulho em nada. Presenciei e fiquei calado, não sei se por conta da idade (sete, oito na época) ou porque nasci para ser silenciado, mas lembro-me bem, vi senhoras de cor preta, com voz negra e orgulho contido, sendo humilhadas por puro luxo e prazer de suas patroas. Em pleno século XXI a história de Mississippi (Goddam) se repete e o tema é recorrente no cinema, tendo representando maior o longa “Que horas ela volta?” em território nosso. Obra incrível com Mardila e Casé, o filme é um aviso urgente aos brasileiros e para os de fora apenas mais um filme de comédia extravagante. Interessante não é, o tal ponto de vista? Como as coisas podem mudar de acordo com localidade, língua, ou cor. Hoje o seu ponto de vista é negro, pobre e escanteado. Hoje você é o X, e não, não morrerá por hora. Por hora.

“Se os tubarões fossem homens… Eles seriam ensinados de que o ato mais grandioso e mais belo é o sacrifício alegre de um peixinho, e que todos eles deveriam acreditar nos tubarões, sobretudo quando esses dizem que velam pelo belo futuro dos peixinhos…” – Se os tubarões fossem Homens, Bertold Brecht.

Será fragmentado todo esse texto, tendo como valiosos faróis dizeres de mestres, ícones, senhores do conhecimento, homens e mulheres que garantiram sua parcela de bandeira na lua de nós todos, é necessário, por ser o encerramento de uma ciclo, ter tantos em um só lugar. Ainda sobre nossa condição, cá estamos em nosso bairro pobre, que tem como ponto de encontro uma igreja sem luxos e uma praça marcada por sangue de jovens assassinados em brigas de gangues. Isso não tem nada de cenário hollywoodiano, é imagem que se repete nas periferias de todo o país. Hoje é o grande dia, você sairá de sua casa com toda a ansiedade do mundo, suas inseguranças palpitando, sendo expostas ao mundo por conta de uma cor, elemento que lhe persegue desde o primeiro grito dado. Sua primeira entrevista de emprego, que chega a ser o ápice do estresse em qualquer adolescente ou adulto quando se apresenta como primeira experiência, independente de cor ou moradia, mas existem divisões, não existem? Claro que sim, é óbvio que entre um negro e um branco o dirigente de tal empresa, em sua grande maioria, vai optar por contratar aquele branco de “boa feição, de boa família, de boa persona”. Um muro mental corta seu cérebro, divide as pessoas. Se você vê um negro vindo em sua direção a noite, já começa a imaginar mil e uma coisas, se um garoto negro vai atravessar a rua bem em frente ao seu carro (que está parado na faixa) você já pensa que ele vai pedir esmola. Vamos fazer um jogo, coisa rápida. Eu falo uma profissão e você imagina o perfil do profissional, okay? Okay. É só imaginar de uma vez, sem pensar muito, começando: Um engenheiro. Um CEO de multinacional. Um escritor. Um jornalista. Um designer. Okay, pensou em todos? Quais eram negros? Precisa nem responder nos comentários pois eu sei que se você for sincero vai confirmar tudo falado até agora, infelizmente. É algo que está impregnado em qualquer um, negro, branco ou índio.

E existe um povo que a bandeira empresta
P’ra cobrir tanta infâmia e covardia!…
E deixa-a transformar-se nessa festa
Em manto impuro de bacante fria!…
Meu Deus! meu Deus! mas que bandeira é esta,
Que impudente na gávea tripudia?!…

Navio Negreiro – Castro Alves

 Por isso meu amigo: cota sim. Cota sim porque não se trata apenas de questão histórica, sim, é por conta desta que estamos assim hoje, com alerta para negro, para pobre, para gente diferente, mas só existe essa história engraçada de cota porque vocês que tanto ousam reclamar, tanto defendem a “não existência de um preconceito”, são os mesmos que negam educação a uma criança por ter determinada cor, que se recusam a empregar um homem ou uma mulher por não estarem tão bem vestidos. São vocês, percussores de preconceitos que são obrigados a aturar cotas, pois até que essa sociedade ofereça uma educação igualitária, elas existirão. Mas quero enviar uma mensagem direta não para preconceituosos ou racistas, quero falar com você, que aguenta toda essa pressão diariamente, que olha nos olhos do ofensor e sorri, que oferece educação e recebe maldade, é com você que desejo conversar. A cada ofensa, devolva com orgulho e luta, encorpore o sangue daqueles que morreram por serem iguais a você, aproveite os momentos preciosos de sua vida para fazer a mudança, para não ouvir e ficar calado, mas sim receber o que é seu por direito. Não existe ira maior do que a do oprimido, e que ela exista, que exploda, que leve consigo os preceitos, que mostre quem somos e para que viemos. Vai ter escritor negro e pobre, vai ter ator com cara de escravo, vai ter dono de empresa da cor de carvão, vai ter presidente escurinho, vai ter gente com dread sim. Se vai ter neguinho batendo tambor, louvando à Oxum e Iansã? Ah, meu bem, em todo lugar vai ter. Se negro vai entrar na igreja para rezar para Nossa Senhora e beijar os pés do menino Jesus? Vai sim. Vai ter negro de toda religiosidade, ou negro com religiosidade nenhuma. O que vai ter mesmo é negro participando de todos os lugares, exigindo seu espaço, mostrando que é dono de seu corpo e espírito. E no fim disso tudo, se alguém perguntar por mim, bem, “diz que fui por ai”.

Aqui jaz.

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