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Teatro do Sesi

Opinião: Mary Stuart (Casa Forte Produções Artísticas, 2023)
Folha de SP
Cultura, Teatro & Exposições

Opinião: Mary Stuart (Casa Forte Produções Artísticas, 2023)

Em uma montagem moderna, vibrante e acessível ao grande público, o espetáculo Mary Stuart traz a versão contemporânea dos bastidores da rivalidade histórica entre a rainha da Escócia Mary Stuart e a rainha da Inglaterra Elizabeth I. Assisti ao espetáculo ontem (20/10) no Sesi São José dos Campos e posso dizer que foram 100 minutos de duração sem piscar.

A peça é ambientada nas últimas 24 horas de vida de Mary Stuart na Inglaterra. Depois de sair fugida da Escócia, a rainha pede asilo na Inglaterra e, ao chegar lá, fica presa por 18 anos aguardando julgamento. O enredo evidencia a rivalidade entre Elizabeth I e Stuart do começo ao fim, mesmo com a rainha da Inglaterra sendo apenas um espectro nas cenas iniciais, quando vemos apenas o sofrimento de Mary.

O argumento do drama, apesar de retratar um momento histórico permeado com ficção, continua atual, já que a luta de Mary Stuart nesses 18 anos é apenas uma: ela acredita que merece um julgamento justo, por seus pares, afinal, por ser rainha, ela acredita que pode ser julgada apenas por outra rainha e não pelas pessoas do parlamento inglês que não possuem sangue real. Ela quer preservar seus direitos e provar a sua inocência.

No decorrer do enredo, Mary continua a lutar por ter sua identidade reconhecida. Sua religião católica em um país governado por uma rainha protestante, sua linhagem de rainha, sua nacionalidade, seus direitos e até mesmo, sua herança ao trono. E isso é algo que vemos claramente nos dias de hoje, principalmente entre as “minorias” sociais. Stuart ali, aparenta ser minoria, da mesma forma que nos fazem acreditar que negros, LGBTQIAP+, povos originários, etc, são minorias nos dias de hoje. Todos querem a mesma coisa: existir com legitimidade. Por isso que talvez, nós como minorias, nos enxergamos tão desesperadamente em alguns momentos em que Mary faz súplicas e Virgínia Cavendish interpreta tão grandiosamente.

Digo que ela aparenta ser minoria, porque apesar de ter muitos apoiadores católicos na terra protestante, ninguém estava unido o suficiente, ninguém tinha forças suficientes para fazer nada. Isso te faz lembrar alguma coisa dos nossos dias de hoje? Tenho certeza que sim. 

E nessa briga por legitimidade social e aprovação, vemos alguns sentimentos ressaltados, muito bem representados em Mary Stuart: inveja, competição e o desejo de superação e de ser melhor que o outro são evidenciados. Tanto que, nas cenas, Elizabeth I sempre está acima – no topo da escada, com os queixos erguidos, se colocando com um ar de superioridade que parece quase roubado de Mary e de nós, que estamos ali assistindo.

A roupagem moderna da história ainda retrata um flash de autossabotagem quando vemos que Elizabeth I só se sente mais rainha quando Mary Stuart é executada e decapitada. Ela sempre foi rainha, ela que assinou a ordem para matar Stuart, mas sempre usando a coroa nas mãos. Depois que Mary é morta, a coroa passa a estar na sua cabeça, mesmo se sentindo presa, escrava da monarquia. E spoiler da vida: por mais que a peça termine aqui, sabemos facilmente que Elizabeth I vai continuar se sentindo uma fraude mesmo depois da morte de Mary porque a questão é dela.

Assim como nós fazemos nos dias de hoje, ela externalizava algo que estava dentro dela para figuras que estavam além dela. Um paralelo com nossa vida cotidiana quando pensamos que só estaremos bem quando emagrecermos, que só estaremos felizes quando conseguirmos aquele emprego… A vida acontece mais no e se e no quando que no presente. Tanto que Elizabeth I precisa confrontar isso quando as cortinas começam a se fechar.

Com um roteiro e atuação impecáveis, Mary Stuart tem uma história cativante e um final de cair o queixo que nos mostra que o ser humano continua o mesmo, não importa em que ponto da linha do tempo ele está – hoje ou séculos atrás.

Mary Stuart continua em cartaz no Sesi São José dos Campos até 22 de outubro e depois segue para Ribeirão Preto, de 9 a 19 de novembro. Acompanhe as novidades no Instagram da peça, clicando aqui.

Circo Graffiti, após 15 anos, estreia Bossa Nova Cabaret Bar no Teatro do Sesi - SP
Ary Brandi
Cultura, Teatro & Exposições

Circo Graffiti, após 15 anos, estreia Bossa Nova Cabaret Bar no Teatro do Sesi – SP

Depois de um hiato de quinze anos, o grupo paulistano Circo Graffiti estreia Bossa Nova Cabaret Bar, uma comédia de variedades com números musicais que trazem histórias livremente inspiradas em personagens, fatos e canções da Bossa Nova. A estreia acontece no dia 12 de outubro de 2023, no Teatro do Sesi-SP, no Centro Cultural Fiesp (Av. Paulista, 1313, São Paulo, SP) e a temporada segue até fevereiro de 2024. Os ingressos são gratuitos.

+ Fabrício Carpinejar no Teatro Opus Frei Caneca

No elenco estão Rosi Campos, Helen Helene, Rachel Ripani, Luciano Schwab, Conrado Caputo, Danilo Martho, Diego Gazin, Efraim Ribeiro, Flávia Teixeira, João Pedro Attuy, Larissa Garcia, Naiara de Castro e Paloma Rodrigues. A ideia é misturar gerações de atores, com suas diferentes características e experiências para falar de amor e de música.

O texto e a direção geral são de dois fundadores do Circo Graffiti, Helen Helene e Pedro Paulo Bogossian, que criaram um espetáculo de quadros que se passa em um bar com cenas inspiradas em canções do período inicial da Bossa Nova – principalmente entre o final de 1958 e 1963 – justamente os anos que marcam os primeiros álbuns de João Gilberto. Cada cena traz um elemento teatral, circense ou de cabaré, misturando a linguagem sofisticada da bossa nova com o escracho, a poesia, as cores e a alegria do carnaval, se comunicando com públicos de diferentes idades e situações de vida.

Como é característico no trabalho do grupo, Bossa Nova Cabaret Bartraz o estilo de décadas de atuação do Circo Graffiti: ênfase na comédia musical, o texto inédito, e muita música com arranjos inéditos. No caso do novo espetáculo, foi criada uma carnavalização da Bossa Nova sob o filtro do humor e do lirismo.

Bossa Nova Cabaret Bar é uma comédia musical cujo tema central, é claro, é a Bossa Nova. A ação acontece no fictício espaço do “Copacabana Cabaret Bar”, em cenário criado por Attilio Martiñs, onde uma trupe de comediantes, atores e cantores faz um show sobre a Bossa Nova. Em cena, a banda formada por piano (Pedro Paulo Bogossian), Contrabaixo (Giullia Assmann), Bateria (Rodrigo Mardegan), Percussão (Jesum Biasin), Sax e Flauta (Ana Eliza Colomar) compõem este cenário, que traz ainda referências dos bares que revelaram muitos dos músicos da Bossa Nova como uma paisagem básica do bairro carioca de Ipanema.

Cenário e figurino, assim como o texto, não buscam ser um documentário da época, mas trazer referências que fazem o espectador identificar o movimento. Por se tratar de uma comédia de quadros, cada um deles muitas vezes têm a sua estética, às vezes um pouco circense, um pouco clownesca, que também fazem parte da linguagem do grupo. É uma mistura desses elementos todos – a atmosfera de cabaret dos anos 1930, a música dos anos 1960, o trabalho do clown, e do teatro de revista.

“Nosso maior objetivo é o entretenimento do público através desse formato particular que é a marca registrada dos nossos espetáculos”, adianta Helen Helene. São vários episódios encadeados como uma revista musical e inspirados em shows de cabaré europeu e no teatro brasileiro. As músicas e os fatos desta época compõem o tema de cada cena formando o arco dramático. “A gente ri, se emociona e compartilha com prazer cada momento dessa viagem que é a cara do Brasil”, conta.

O que serviu de norte para a pesquisa musical foi o período áureo da Bossa Nova – entre 1958 e 1963. Essas canções geraram cenas, serviram de apoio de cenas que foram criadas independentemente da música. “De certo modo o nosso trabalho entende que a nossa comédia é gerada por alguns princípios que são o deslocamento, muitas vezes de época, de lugar. Então as canções vão receber um tratamento carnavalizado para compor essa nossa comédia”, conta Pedro Paulo Bogossian, diretor musical do espetáculo. Nenhuma canção aparece exatamente como ela foi gravada, elas receberam arranjos e instrumentações que muitas vezes dão aquele toque diferente.

“Eu acredito que essas composições da bossa equilibram e revelam um modo de cantar brasileiro que foge dos cantores com as grandes vozes, o que causou na época um impacto muito grande e que segue até hoje. Na Bossa se equilibram os instrumentos com a voz, um estilo de harmonia, ao mesmo tempo que ela mistura ritmos como samba, jazz, e até um toque de clássico”, completa Bogossian.

Para retornar aos palcos em uma temporada longa (e gratuita), o Grupo escolheu como tema revalorizar a música brasileira.

“A gente se considera um pouco herdeiro desse modo de fazer teatro, um teatro que passa pelas mudanças da sociedade, de como fazer comédia a partir desses elementos da revista”, diz Bogossian. Isso resultou num projeto que é popular, falar do Brasil, da importância da música popular brasileira também para o mundo, como é a Bossa Nova. Também falar do hibridismo que vai fundar este estilo musical – que traz em sua formação o samba, o jazz, e a coloquialidade de uma paisagem de uma determinada época, mas que vai se transformando também ao longo dos anos e está aí até hoje. “Também pensamos em trabalhar com atores mais jovens, exatamente para haver essa troca sobre como fazer uma comédia musical nos dias de hoje e como esses atores jovens pensam no que seria como fazer uma comédia nesse estilo hoje”, conclui o artista.