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Moda do desapego impulsiona brechós e grupos online
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Moda do desapego impulsiona brechós e grupos online

Procuro um novo lar. Minha dona não precisa mais de mim e posso te fazer feliz. Faça sua oferta, o frete é grátis e o sorriso garantido. Tenho uma história linda, mas quero escrever uma nova com você. Calma! Antes que você pense que este é um anúncio de mal gosto de venda de um cachorro, saiba que está redondamente enganado. É de uma camiseta usada veiculado em alguns brechós na internet. A dona? Stephanie Ramos, que resolveu desapegar de tudo e vender em um site especializado. 

Os brechós estão cada vez mais migrando para a internet, embora ainda continuem populares fora dela, principalmente em tempos em que a economia colaborativa cresce proporcionalmente à vontade das pessoas de encontrar produtos bons e baratos, ao mesmo tempo. A regra é desapegar de tudo que não te serve mais, para que outras pessoas possam ser felizes, tanto com a nova peça, quanto com a economia. 

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Para Stephanie, já acostumada a esse tipo de negócio, a experiência é sempre muito boa. “Acredito que em tempos de crise, precisamos nos reinventar e o brasileiro é criativo”, ressalta e acrescenta: “Muitas pessoas estão dando chance para tentar comprar produtos já usados”. No entanto, por ser um modelo em ascensão, ainda existem muitos riscos por parte de vendedor e comprador. Alice Pires, por exemplo, considera um trabalho incerto. “É uma loucura, não dá para saber até quando os desapegos vão te dar um retorno. Hoje eles cresceram, mas isso pode mudar o tempo todo e nada indica que você sempre terá vendas para que isso se torne o seu trabalho principal”.

Segundo pesquisas recentes de tendências de mercado, as culturas de desapego e reciclagem, assim como a do consumo digital, estão cada vez mais fortes, já que são uma característica da Geração Y somada a onda dos ciclos retrô. Isso tudo cria um ambiente favorável para a proliferação dos brechós e grupos de venda online. Tal crescimento é visto não só na teoria, mas também na prática. O site Enjoei, startup especializada em roupas e artigos de decoração, rendeu 47 milhões de reais em aportes externos, cresceu seis vezes desde sua fundação em 2014 e faturou 200 milhões só nos últimos 12 meses. Mas não é nada perto da hegemonia da OLX, site de vendas, trocas e adoção, que se fundiu ao Bom Negócio em meados de 2014, e juntos movimentam mais de 80 bilhões de reais por ano, 139 milhões de novos anúncios e 25 milhões de transações, com um crescimento médio de 60% ao ano. “As pessoas estão ficando acostumadas a este modelo (de economia colaborativa)”, afirmou o CEO da empresa, Andries Oudshoorn, em entrevista à Exame. “Mas ainda há espaço para crescer”, acrescenta.

E de fato, há muito espaço para crescer. De acordo com dados recentes do Ibope, 91% dos brasileiros têm itens sem uso em suas casas e mais de 84% querem vendê-los de alguma forma. O objetivo principal dessas empresas é de desenvolver o hábito do desapego, de forma que isso faça sentido para a família brasileira e para o meio ambiente. No entanto, o caminho para o sucesso ainda é longo. “As vendas na internet são vistas com preconceito, temos uma cultura de querer trabalhos conservadores e com carteira assinada”, explica Stephanie, quando questionada sobre pessoas que se dedicam exclusivamente aos seus brechós online. “Mas cada vez mais, os empregos estão mudando. Veja as blogueiras que hoje em dia ganham muito dinheiro e fizeram disso uma profissão”, destaca.

Para facilitar, as companhias têm desenvolvido cada vez mais novas ferramentas que garantem conforto e segurança para quem faz da venda na internet sua principal fonte de renda, uma vez que nunca se sabe quem está do outro lado da tela. Mas nem tudo são flores, já que com melhorias, vêm também novas taxas. “Os sites ajudam a vender nossos produtos de forma mais segura, atingindo mais pessoas, no entanto, a porcentagem que fica para o site pode ser um problema”, pondera Alice. 

Os negócios feitos em grupos ou em sites especializados, estão protegidos pelo Código de Defesa do Consumidor. O anúncio deverá descrever o produto em detalhes, inclusive suas inconsistências, e toda a responsabilidade da venda, é por parte do vendedor, mesmo que este seja uma pessoa física. Os sites funcionam apenas como intermediação do pagamento e resolução de possíveis problemas na negociação. Caso necessário, o comprador pode recorrer aos órgãos de defesa do consumidor em caso de qualquer inconsistência.

E para quem vai se aventurar nas compras nos brechós, ficam as dicas dos veteranos:

  • Procure sempre avaliações e a reputação dos vendedores;
  • Nunca pague antecipadamente ou faça a negociação fora do site de intermediação;
  • Verifique o frete da sua encomenda e os cuidados no envio;
  • Cuidado com itens “bons demais para ser verdade”, ou que possuem preço muito abaixo do mercado sem razão aparente;
  • Caso ocorra a entrega em mãos, procure sempre fazê-la em um local público e movimentado;
  • Garanta que a pessoa seja de confiança e tire todas as suas dúvidas antes de finalizar a compra;
  • Pergunte sempre. Tempo de uso, maneira de uso… Extraia o máximo de informação possível do vendedor.
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“Colocando o tijolo e o cimento, dou um tapa na cara do meu passado”

Oi amô, tô pronta! Tô aqui, na pista. Foi esse um dos primeiros contatos que tive com Igor William Lopes, 29 anos, morador do Conjunto Habitacional Bairro Treze, no Rio de Janeiro. Conheci sua realidade depois que meu namorado me enviou um print de sua história, estampada em um grupo LGBT do Facebook, dando vida a Safira O’hara, uma drag queen pedreira. “Vou respondendo aos poucos, ô Jesus, ô vida. Tô aqui numa loucura, nêgo, pra terminar esse telhado, mas vamo lá!”, disse entusiasmado, mesmo depois de responder às mesmas perguntas inúmeras vezes para jornalistas diferentes.

Igor e sua drag, Safira, ficaram conhecidos em abril de 2019, após a mesma postagem viralizar e rodar o Facebook milhares de vezes. A drag queen pedreira. Várias reportagens nos mais diversos sites. “Isso é algo motivacional. Uma quebra de estereótipos da sociedade, né? Drag pode tudo. Somos seres humanos, somos seres normais. Somos pessoas. Porque não, entendeu? Cada tijolo que eu coloco, é como se eu desse um tapa na cara do meu passado. É isso aí, vamos construir.”, relata emocionado com a possibilidade de inspirar pessoas. E construir sua história sem depender de ninguém.

“Vítima é o caralho. É partir pra cima, entendeu? É meter a mão na massa, botar o tijolo e vambora, vambora.

Igor foi expulso de casa aos 19 anos pelos familiares. Mas, como ele mesmo diz, são coisas do passado, como todo LGBT vive e conhece. Viveu 10 anos morando de aluguel, mas sempre sonhou em ter sua casa própria. “Acho que todo LGBTQI+ tem que ser sua casa própria pra ter suas liberdades, para que sua felicidade possa habitar”, confessa. Na época, já fazia teatro e nele, conheceu a arte transformista. Diz que já era transformista antes mesmo de ser. Foi se apaixonando, descobrindo sua sexualidade e se entregando a arte cada vez mais, dentro do período da expulsão. Mas frisa que não foi por isso. Foi por conta de sua sexualidade. “Aí eu tive que me virar, né? Há 10 anos, só tinha computador na lan house a um e cinquenta. Era você mesmo e se vira”, relembra Igor.

Os dias que vieram depois, não foram nada fáceis, principalmente no começo. “Tive que sair montada de casa, e isso era outro preconceito que eu sofria. Tipo assim, ‘porra, a gente tem que aturar o gay, agora tu tá virando mulé?’. Pensavam que eu tava virando mulher trans e coisas e tal”, conta de queixo erguido.

Candomblecista, o filho de Logunedé, nessa época, morava de aluguel em uma casa de pessoas evangélicas, parceria que não deu certo por muito tempo. Mudou-se após pedirem a casa, e foi em busca de outra, caindo aos pedaços, como William mesmo descreve, porém com aluguel em conta. “Mas eu sonhei em ter minha própria casa, né? E as casas eram num valor acima de setenta mil e eu nunca terei esse valor”, pondera. Mas, se tem uma coisa que Igor e Safira sempre souberam fazer é dar tempo ao tempo. E apareceu Rodrigo Miller, grande amigo, que conseguiu um terreno para eles. “Desde então, eu venho construindo a minha casa. Na vida, a gente não constrói nada sozinho”, ressalta e acrescenta emocionado, “Eu tenho ajuda, e tem histórias que me motivam. Eu vi relatos de mulheres que são pedreiras. Então por que eu também não posso ser? Se elas aguentam o rojão, por que eu não vou aguentar?”

E Igor aguenta. Sua história já chegou em grandes portais de notícia como OGlobo, Uol e Razões para Acreditar. Já recebeu milhares de histórias no Instagram de LGBTs que acreditavam que pedreiro não era profissão para eles. “Eu fiquei muito feliz, porque com isso, eu vi o relato de um menino no Instagram que é auxiliar de pedreiro, e ele chegou pra mim emocionado, falando ‘nossa, tudo bem que eu já imaginava encontrar um gay nessa profissão, mas não uma drag queen… Isso me emocionou muito, porque eu achava que trabalho de gay é cabeleireiro, maquiador, artista, balé, essas coisas assim’. Então é isso, motivar as pessoas. Motivar os LGBTs para eles terem a casinha deles.”, relembra cheio de energia para colocar o próximo tijolo.

Porra, a gente tem que aturar o gay, agora tu tá virando mulé?

Energia que ele transforma para ir pra cima dos desafios, acordando dia após dia, superando todos os seus problemas, depois das injustiças do passado. “Lá no meu trabalho tinha uma menina que o marido dela era pedreiro e ela era ajudante dele, e eles construíram a casa para morar com os filhos. Por que que eu não vou meter a mão? Vou sim. Então é bom que eu colocando o tijolo, colocando o cimento na parede, eu dou um tapa na cara do passado. Porque eu acho que o passado foi muito injusto comigo, entendeu?”, se emociona ao lembrar, mas logo se recompõe dizendo que nós, LGBT, devemos ir para cima. “Vítima é o caralho. É partir pra cima, entendeu? É meter a mão na massa, botar o tijolo e vambora, vambora. Surgiu a oportunidade, agora é construir a casa.”, retruca.

E de fato, Igor William não deixou nenhuma oportunidade escapar. Hoje, mantém uma relação saudável com a mãe, mas cortou laços com grande parte de sua família. “Eles lá e eu cá. Minha mãe não é mais aquela pessoa de 10 anos atrás e nem eu. Ela me apoia e hoje estamos bem melhores, né? As coisas mudam, nada melhor que dar tempo ao tempo”, suspira e finaliza, preocupado. “Espero que você tenha gostado da minha história, que eu tenha te interessado. Estamos aí, tamo junto!”

Sim, Igor! Estamos todos juntos nessa.