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Um olhar sobre a pulsão de morte: o famoso “dedo podre”

A famosa expressão “fulano tem o dedo podre” ganhou a boca do povo e não é de hoje. Tanto na vida real, quanto na ficção, pessoas vem dizendo que outras tem o “dedo podre” quando escolhem parceiros aparentemente incompatíveis com quem elas se mostram para o mundo. Um grande exemplo disso, é a personagem Marilda, no seriado “A Grande Família”, exibido pela Rede Globo nos anos de 2001 a 2014.

Na trama, a cabeleireira vivia em busca do namorado perfeito e acabava sempre por se relacionar com “cafajestes”, como ela mesmo chamava. Sua busca era incessante e em vários episódios, era comum de ver ela contando para Nenê, sua melhor amiga e protagonista do seriado, que iria cortar o seu dedo fora, porque ele era “podre” para escolher parceiros. O fim do seriado se deu com a personagem indo embora com um grande amor que ela conheceu em uma fazenda do interior e nunca mais retomando contato com a família Silva.

Esse exemplo, conhecido por quase todos os brasileiros expressa bem uma visão psicanalítica da pulsão de morte, isto é, o contrário daquela pulsão de vida, de prazer.

A expressão dedo podre

A origem da expressão “dedo podre” não é fácil de ser encontrada. Apesar de não constar em nenhum dicionário ou registro formal, ela está na boca do povo. De acordo com o Dicionário Informal, alguém que tem o dedo podre, é alguém que sempre faz as escolhas erradas, que não acerta uma, principalmente em relacionamentos. Aquela pessoa que faz más escolhas em relação ao amor e às amizades.

Psicanalisando a expressão, podemos dizer que alguém que tem dedo podre é alguém que te tem uma compulsão pela repetição. E esse estado, segundo o emprego de Freud em suas obras, denomina quando “[…] o sujeito [está] sendo obrigado, contra sua vontade, a agir de determinada forma” (Hanns, 1996, p. 100). Por isso, podemos observar que a compulsão pela repetição resulta de um conflito pulsional, que impõe ao sujeito algo que ele deve fazer, ao mesmo tempo em que isso o faz sofrer.

Observando pela perspectiva de Lacan, denominamos como o gozo. Aquele prazer, que mesmo sendo um desprazer, satisfaz, alimenta. E essa alimentação não é tudo o que a gente busca dentro de um relacionamento? Pode ter coisas erradas, mas se tem essa alimentação, “está tudo bem”, na grande maioria dos casos.

A pulsão de morte

Quando conceituamos o “dedo podre” como compulsão pela repetição, estamos vinculando o conceito à pulsão de morte.

Pulsão, para Freud, é um “impulso, inerente à vida orgânica, a restaurar um estado anterior de coisas” (Freud, [1920] 1976, p. 54). No começo de sua conceituação, Freud acreditava em duas pulsões, a sexual e a de autoconservação, que se contrapunham. Com o tempo, ele entendeu que o princípio do prazer não era único e não representava o inconsciente como um todo. Tinha um algo a mais, além do prazer.

Foi então que Freud conceituou e introduziu a pulsão de morte. Aquela pulsão desligada, desvinculada de representações, com tendência destruidora, se mantendo estagnada: sem se descarregar e sem se vincular a alguma representação.

Como toda pulsão, ela quer satisfazer o seu desejo, mas não consegue. A tendência que “sobra”, então, é a tendência pela repetição. Enquanto não há uma vinculação, a pulsão de morte se repete, retomando sofrimentos que o sujeito viveu em fases anteriores da vida, ou também, o que chamam popularmente de “repetir padrões”.

A pulsão de morte quer ser satisfeita, como toda pulsão, e quer pela via mais curta, pela descarga imediata. E para isso, ela usa da transferência de alvos – quase uma sublimação, mas uma “sublimação ruim, malvada”.

A problemática da repetição e da pulsão de morte

Como vimos, o “dedo podre” está completamente ligado à pulsão de morte e esta, totalmente ligada a tendência pela repetição. Ao não trabalhar certos traumas, encaminhando essas pulsões que precisam ser realizadas e descarregadas de uma forma saudável (a sublimação, em sua forma verdadeira), a pessoa que “tem o dedo podre”, acaba por transferir inconscientemente suas pulsões para alvos errados e por isso, nunca há uma descarga e uma satisfação plena.

A grande problemática disso tudo são os relacionamentos abusivos. Pessoas que se denominam ou que são denominadas com “dedo podre” acabam se envolvendo em relacionamentos amorosos destrutivos, tal qual observamos, no começo do texto, a personagem Marilda, da ficção. E aqui, neste ponto, podemos questionar esses relacionamentos e vincular com o conceito de gozo de Lacan. Se o gozo é aquele prazer, que mesmo sendo um desprazer, satisfaz, não é muito perverso dizer que há essa “alimentação necessária” para o relacionamento ir adiante, mesmo sendo abusivo? Uma pessoa com pulsões de morte não descarregadas de forma adequada, a portadora do tal “dedo podre” não tem consciência do seu ciclo de autossabotagem e de violência em que pode estar inserida.

Por isso, dizer que ela obtém seu gozo dentro do relacionamento é tão cercado de perversidade. Seria o mesmo que dizer que comer um bolo mofado é bom, porque, pelo menos, o sujeito está inserindo alguma comida.

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Você sabe a diferença entre instinto e pulsão?

Quando iniciamos o estudo em Psicanálise e começamos a aprofundar nas temáticas, logo conhecemos o famoso termo “pulsão”, que chegou no que Sigmund Freud definiu como Teoria das Pulsões. O conceito de pulsão, seria a de um “representante psíquico das excitações provenientes do interior do corpo e que chegam ao psiquismo” (ZIMERMAN, 1999, P.82). Mas, e na prática? O que é uma pulsão e como ela se difere do instinto? Por que pulsões e instintos não são a mesma coisa?

Entendendo a pulsão

A pulsão, como o próprio nome sugere, é como se fosse um impulso. Uma espécie de força que precisa ser dirigida para um representante – seja ele um afeto ou uma ideia – para se manifestar. Resumindo, ela nos mobiliza para uma direção e busca um representante para a energia se manifestar. Ela advém de um desejo e quer satisfazer esse desejo por meio de um objeto.

Uma mulher viciada em comprar bolsas, por exemplo, mesmo tendo várias bolsas novas em folha no armário. Qual é o desejo que ela busca saciar dentro de si mesma e os realiza por meio da compra excessiva de bolsas novas? Afinal, bolsas são bolsas, servem para carregar coisas. Ter uma ou duas, no máximo, seria mais que suficiente. Essa energia que a faz comprar a bolsa para satisfazer seu desejo inconsciente é a pulsão.

Antes de entendermos o instinto, é importante saber que a pulsão nasce a partir dele, mas se constitui acima dele. Essa demanda que vem do corpo ao psiquismo para saciar os prazeres é a pulsão.

Entendendo o instinto

O instinto, por sua vez, é determinado pela hereditariedade. Vem com todos os seres vivos. Um leão se alimenta única e exclusivamente por instinto. Ele sente fome, caça e come, saciando sua fome. Possivelmente, ele nem sabe que aquele sentimento é fome. Talvez seja apenas um desconforto que sua hereditariedade faz com que ele coma a fim de acabar com aquela sensação. Ele tem um cunho biológico que dirige o organismo para um fim particular, com um objeto de representação bem específico. O leão come porque tem fome. Só por isso.

Os instintos são uma espécie de força que incita o ser vivo a tomar uma ação, ele inicia a necessidade da ação, sem determinar qual ação e com qual intensidade de força essa ação precisa ter para se realizar.

Instinto e pulsão: colocando os pingos nos “Is”

Agora que entendemos os conceitos separados de instinto e pulsão, vamos relaciona-los, lado a lado. Enquanto o instinto é uma pressão que vai dirigir o organismo de um ser vivo para um fim específico e particular, pela necessidade, a pulsão é uma força que vai tender o ser humano para um alvo específico, com uma direção e um representante.

O instinto, portanto, é a força que inicia a NECESSIDADE de uma ação. Sem predeterminar qual ação em particular e qual é a força dessa ação. Já a pulsão, terá aspectos mentais, como um impulso, um desejo. A força da pulsão precisa ser dirigida para um representante para a energia se manifestar. Voltando ao exemplo das bolsas, ninguém compra bolsas por instinto. Mas também, voltando ao exemplo do leão, as pessoas não comem somente por instinto, como os animais.

Um bebê, quando nasce, por exemplo, vai sentir um desconforto e chorar. Sua mãe, por meio de toda conexão que existe entre criança e mãe vai interpretar aquele desconforto como fome e vai oferecer seu seio para que a criança possa mamar. Enquanto ela amamenta, ela passa a mão na cabeça do filho, ela olha com ternura e afeto, ela canta, ela oferece seu colo, no sentido literal e figurado. O bebê chorou de fome, pela primeira vez, mesmo sem saber que aquilo era fome, por instinto. Da segunda vez em diante, ele vai chorar pelo desconforto, mas não vai ser somente o alimento que ele deseja: ele vai desejar também o colo da mãe. A pulsão, nesse caso, ficou sobre o instinto.

Além disso, nós, como seres humanos, imaginamos saber o que é fome. Mas será que esperamos estar morrendo de fome para irmos atrás de alimentos? Não. A gente interpreta nossos sinais e nos alimentamos, na hora que bem entendemos. Sabemos que é necessário, mas não comemos só quando é necessário: comemos quando nos sentimos felizes, tristes, para comemorar…. Por que você acha que as pessoas saem para beber quando estão felizes? Por uma mera necessidade? Ou por satisfazerem seus desejos inconscientes de socialização, extroversão e diversão? Se você ainda estiver em dúvida, a segunda opção é a correta!

Podemos pensar de forma resumida e compacta da seguinte forma:

– Um instinto inicia a necessidade da ação, sem predeterminar qual ação e qual é a sua força. Ele só sabe que precisa fazer alguma coisa;

– Uma pulsão tem a função de realizar um desejo, de causar prazer, por meio de um objeto representante (afeto ou ideia);

– Instintos são puramente necessidades, pulsões tem aspectos mentais, o que comumente podemos denominar como desejos.

O conceito de pulsão passou por várias variantes dentro do estudo de Freud com o nascimento da psicanálise, como pulsões de auto conservação, pulsões sexuais e posteriormente, pulsões de vida e pulsões de morte. No entanto, esse debate é propício para outro artigo, já que neste aqui vou me ater a somente diferenciar pulsão de instinto, conceitos muito parecidos que podem facilmente causar dúvidas.