O tratamento psicanalítico acontece com dois elementos chave: a resistência e a transferência. Cada qual com suas particularidades, elas servem a um único objetivo: fazer com que o analisando consiga ressignificar seus traumas passados e conviver com as suas neuroses.
A análise possibilita que o paciente reviva seu passado enquanto observa o presente, enquanto seu analista, faz o trabalho contrário, vivendo o presente e observando o seu passado. Essa troca, crucial para o bom andamento do processo analítico é o que permite a mudança da versão do passado que o psicanalisando tem de si mesmo. A transferência, como veremos além neste texto, precisa ser vivida para que o passado possa ser compreendido de uma outra forma, para que sua visão de passado possa ser mudada. É preciso viver, não relatar para que isso aconteça. Para que aconteça a perlaboração.
O prefixo per- e a perlaboração
A psicanálise é a ciência do não dito, mas é por meio das palavras que conseguimos atingir o inconsciente. Já dizia Freud, que a linguagem é a estrada real para acessar o inconsciente e os seus conteúdos reprimidos, por isso, nada mais justo que pensar em etimologia quando vamos falar de conceitos psicanalíticos.
De acordo com a Língua Portuguesa, o prefixo “per-“, significa “através de, acima de, muito além de”. Em linhas gerais, ele é o limite máximo de alguma coisa. Pensando na Química, temos o Permanganato, Perclorato, Peróxido, por exemplo. Na vida real, temos coisas feitas e coisas perfeitas. Podemos seguir alguma coisa ou perseguir aquilo. Fazer um curso para saber mais ou então, um percurso. Com a perlaboração não poderia ser diferente.
Ao passar por um processo psicanalítico, o paciente elabora, por meio da fala, todas as suas angústias, os seus pensamentos inconfessáveis, tudo aquilo que está reprimido no inconsciente, em sua maioria sem vontade própria, mas também aquilo que é escondido por não querer deixar aflorar. Por meio da transferência, o paciente passa então, a superar suas resistências. A entender, a chegar ao nível máximo daquilo que ele elabora, a interpretar a sua história. E para isso, damos o nome de perlaboração. O nível máximo de elaboração, de compreensão, que faz com que a visão de passado daquele ser humano mude. Que faz com que ele consiga ser um pouco mais gentil consigo mesmo e com sua história e abandone os comportamentos repetitivos, compulsivos e hostis. E isso só é possível com a resistência transferencial, isto é, o relacionamento complexo e estreito entre as transferências e as resistências.
A transferência
A transferência é aquilo que permite que o trabalho psicanalítico aconteça. Já descrita por Freud nos primórdios da psicanálise, em linhas gerais, ela é o conjunto de sentimentos, de afetos e de comportamentos que o paciente experimenta com relação ao seu analista. Na análise, ao rememorar, ao reviver o passado, o paciente acaba por “culpar” o seu analista por aquilo estar acontecendo. E, nesse processo, o analista acaba por exercer um papel, naquele momento, na vida do analisando. Esses sentimentos inconscientes, também podem ser ambivalentes. O analista pode aparecer como uma figura paterna, como uma figura materna, como uma figura amiga que há muito se foi…. A transferência faz o paciente lutar por conseguir realizar seus desejos mais infantis, por meio da figura do analista. Ele está ali, em sua posição de sujeito suposto saber, no pedestal em que o analisando o coloca, e para isso, é preciso ter muito cuidado.
Por outro lado, o trabalho psicanalítico só acontece de forma proveitosa, quando se estabelece uma transferência e acima disso, majoritariamente positiva. Já é complicado normalmente para um paciente se abrir para alguém que o “santo bateu”, imagina para alguém que o “santo não bateu”? Ou pior, para alguém que desperta sentimentos negativos como ira, raiva, fúria? A transferência é um sentimento ambivalente, mas ela deve ser majoritariamente positiva para o bom andamento da análise.
Em resumo, ela é, no linguajar popular, “o santo bater ou não” com aquele analista, com aquela figura, no decorrer da investigação dos processos inconscientes do paciente.
As resistências
As resistências sempre estarão presentes no percurso psicanalítico. Deve-se dizer ao paciente que a resistência é uma atividade do paciente. É uma ação que está praticando inconscientemente, pré-conscientemente ou conscientemente (Fenichel). Ela não é um erro, um defeito ou uma fraqueza, mas ela deve ser igualmente analisada e comunicada, porque pode interferir no processo de uma análise bem-sucedida.
Vamos às analogias: o inconsciente é uma parte escondida da mente, em que há muitos traumas reprimidos, muitos afetos mal resolvidos. Esses conteúdos são escondidos por lá para que o paciente possa viver sua realidade com plenitude. Imagina só, ter que viver normalmente com todos os traumas, acontecimentos ruins e afetos desagradáveis na consciência ou na pré-consciência? De fato, plenitude é uma coisa que nenhum ser humano conseguiria ter. Por isso, nossa mente tem mecanismos muito fortes para repreender todos esses conteúdos. Na psicanálise, quando esses conteúdos são incentivados e até mesmo, forçados para fora, para que haja a perlaboração, é comum que o paciente resista, mesmo que de forma inconsciente. É algo que supostamente, atrapalharia sua “vida normal” em um plano consciente. Por isso, não é trabalho do analista xingar ou julgar as resistências, e sim, elabora-las, fazer com que elas sejam ressignificadas ao seu nível máximo.
Integrando as interpretações e entendendo as resistências, é possível então, que a elaboração máxima aconteça, isto é, a perlaboração.