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Crítica de Cinema: Mad Max – Estrada da Fúria (2015)

Quando terminei de assistir Mad Max, tive plena convicção que nunca assisti nada parecido em toda minha vida. George Miller voltou 30 anos depois da primeira trilogia com uma originalidade impressionante. Embora seja uma continuação, distanciou-se de seus antigos filmes, trouxe novas ideias, críticas sociais pesadas e muita, mas muita ação.

No longa, Immortan Joe (Hugh Kneays) é um ditador cruel, um mito, praticamente um Deus na Terra. Em um mundo pós apocalíptico, em que a água e o combustível são recursos escassos e motivo de guerra, quem os possui em abundância exerce dominação sob aqueles que não os possuem, e é exatamente assim que Immortan Joe exerce seu poder. Ele é dono de tecnologia capaz de captar água e cultivar em solo estéril.

O tirano tem tudo sob seu controle, mantém escravas sexuais, com a única função de procriar. Outras mulheres são usadas para produzir leite e são ordenhadas como se fossem vacas, é horrível de se ver a objetificação dessas mulheres e como a situação retratada não está tão distante da realidade.

Aliás, a objetificação do ser humano é um tema bastante abordado pelo filme, quando Max (Tom Hardy) é capturado no início do filme, ele é usado como bolsa de sangue para Nux (Nicholas Hoult), um jovem de meia-vida, dos chamados War Boys, soldados de Immortan, que o veneram como um Deus e que estão dispostos a morrer por ele.

A Imperatriz Furiosa (Charlize Teron) é motorista de um caminhão de combustível e é mandada ao Vale da Gasolina por Immortan. Mal sabia ele, que Furiosa havia libertado as escravas e fugia com elas na esperança de encontrar o Vale Verde. O tirano, quando percebe que foi enganado, manda um exército de peso atrás dela, é nas cenas de perseguição que o filme se concentra e onde Max encontra Furiosa e passa a ajudá-la em sua fuga.

A perseguição é completamente surreal, o caminhão de Furiosa é seguido por carros híbridos, caminhões, War Boys suicidas, fogo, explosivos, tudo ao som de uma guitarra elétrica flamejante tocada em um caminhão lotado de amplificadores. É uma maluquice enorme, você fica sem fôlego de assistir à quase 2h de pura ação. O diretor quis usar o mínimo possível de efeitos especiais, então tudo é retratado de maneira muito realista.

O filme tem poucos diálogos, isso é verdade. Mas a interpretação dos atores foi maravilhosa, suas ações e olhares supriram a falta de falas de maneira impressionante e transmitiram com eficácia a mensagem que o longa quis transmitir.

Furiosa é uma personagem grandiosa. A maneira como as mulheres foram representadas no filme, romperam com o clichê da frágil mulher que precisa ser salva por um homem. Ela não é masculinizada, é apenas uma mulher querendo mais do que tudo salvar outras mulheres que precisam dela, o empoderamento feminino é enorme.

Nesse novo filme, Max não é mais aquele “machão” autossuficiente. Ele, como todo ser humano, possui suas fraquezas, suas dores e traumas, quebrando o estereótipo da masculinidade. Os homens não são super heróis, também precisam de ajuda. A relação de Max e Furiosa é de parceria e companheirismo, um homem e uma mulher se ajudando com igualdade, ela o salvando em várias ocasiões e ele a salvando também, um não é melhor do que outro. Traz uma lição de que homens e mulheres devem trabalhar juntos.

Outra atuação impressionante foi de Nicholas Hoult, que trabalha para Immortan Joe e possui uma vida curta, pois está repleto de tumores por conta da radiação a que foi exposto. Ele é enérgico, insano, suicida, daria sua vida com prazer pelo tirano, mas depois se decepciona com ele e o enxerga como realmente é, por isso muda de lado e ajuda as meninas a fugir.

A fotografia, o cenário, os objetos se encaixaram perfeitamente nesse universo apocalíptico e distópico. O clima desértico, quente, seco, há o uso de tons alaranjados e vermelhos. Tudo parece desgastado e sujo, os carros são formados por partes de diferentes automóveis. O figurino também ajudou muito na construção de personalidade dos personagens. A roupa de Immortan Joe é a mais assustadora, é quase como uma armadura para esconder seus defeitos físicos, a máscara com dentes animalescos é assustadora, admito que fiquei com um pouco de medo dele.

O que mais gostei da trama foram as diversas críticas realizadas. Temos a questão ambiental em pauta, a escassez de água, a infertilidade do solo, a radiação causada por guerras termonucleares. As mulheres questionam: “Quem destruiu o mundo?”.Homens gananciosos, que só pensam em si próprios e acabam prejudicando todo o planeta. É um drama real e que serve de alerta com o que estamos fazendo com o meio ambiente.

Outra crítica muito bem abordada foi a escravização de mulheres para fins sexuais. Gostaria de dizer que isso é história de filme, uma ficção distante e triste. Mas, não. Sabemos que essa é a realidade de milhares de mulheres, principalmente em áreas dominadas por terroristas, que adquirem territórios e estupram mulheres e meninas constantemente, para o prazer masculino ou mesmo para perpetuação de sua ideologia. A cena em que elas quebram uma calcinha de ferro que eram obrigadas a usar é um ótimo simbolismo da busca de liberdade, empoderamento e independência feminina em um mundo dominado por homens. Mulheres se unem para mudar o que está errado e gritam: “Nossos filhos não serão filhos da guerra.”

Ideologias doentias também são abordadas. A lavagem cerebral em jovens em nome de um Deus, de uma religião, fazem-os realizar atos horríveis e desumanos. Não preciso nem me alongar nesse assunto, basta ligar a televisão e ver todos os dias notícias de jovens recrutados por grupos jihadistas, esse futuro pós apocalíptico é muito mais plausível do que podemos imaginar.

Devo confessar que na primeira vez em que assisti ao filme não gostei muito, achei que tinha muita ação para pouco diálogo. Mas depois percebi a profundidade da história, que deve servir de modelo para os próximos filmes do gênero, pois não é ação pela ação. Mas é uma trama política, social e revolucionária, revolução essa, que deve partir das mulheres.

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Crítica de Cinema: Amy (2015)

Do mesmo diretor de Senna, Asif Kapadia, Amy é um dos documentários que concorre ao Oscar desse ano e que percorre a trajetória da cantora através de gravações de áudio, vídeos, fotos e depoimentos. O material coletado, parte dele inédito, é extremamente valioso e registra sua vida em detalhes, desde quando tem apenas 14 anos e brinca e canta com os amigos por diversão.

O filme mostra com sensibilidade o íntimo de Amy, aquele que não conhecíamos e que nunca foi mostrado pela grande mídia. Aliás, paparazzi e o exagerado consumo de notícias sensacionalistas são uma das causas apontadas pelo filme pela morte da artista. A associação da sua saúde fragilizada com a bulimia, doença que tinha desde criança, além do uso excessivo do álcool – e foi o álcool, e não as drogas, como se noticiou – que a fizeram morrer. Mas a perseguição e a falta de privacidade que ela passou, assim como a irresponsabilidade de seu pai e gerente, que marcavam shows sabendo que ela não estava bem física e mentalmente sentenciaram sua morte.

Antes que as drogas fossem sua principal válvula de escape, Amy fazia da música sua fuga do mundo exterior. Inspirada por grandes nomes do jazz, ela se tornou uma artista completa, como afirma seu grande ídolo Tony Bennet, com quem fez um dueto em uma de suas atuações mais revigorantes. Os fatos apresentados no documentário são feitos de forma cronológica, mostrando altos e baixos, com depoimentos de amigos de infância a colegas de trabalho.

Amy mostra também a vida pré Black and Black, antes que a cantora estourasse mundialmente. Vídeos caseiros e entrevistas para jornais locais ingleses mostram o quanto ela era apaixonada por música e o quão feliz ficava em se apresentar para públicos pequenos. Descrita como uma pessoa doce e engraçada, ela também sabia ser impetuosa e tinha uma personalidade forte, apesar da essência fragilizada. A chegada e partida de Blake, namorado tempestuoso que a guiou para drogas mais pesadas, o afastamento de amigos de infância e de Nick, ex-gerente que a acompanhou a maior parte da carreira, além da recusa de procurar tratamento foram as consequências trágicas e finais de uma carreira brilhante.

Apesar de ser um documentário completo no sentido emocional, Amy tem suas falhas. Depoimentos em off e vídeos que são excessivamente reproduzidos em câmera lenta cansam o espectador. O modo como o material fotográfico foi apresentado também deixou a desejar. O constante zoom in e a simples passagem de uma foto a outra lembra uma colagem infinita. Assim como as falas rasas e vagas dos principais “personagens”, como Mitch (pai de Amy), Blake e o seu último gerente Ray Cosbert. Aliás, a falta de representatividade e uma suposta manipulação de depoimentos descontentaram o pai de Amy, que garante que lançará sua própria versão sobre a vida da artista.

Com o filme, entendemos um pouco as inspirações e motivações de Amy, assim como seus demônios e frustrações. Como a falta da figura paterna na infância a faz se tornar uma adolescente arredia e indisciplinada. A exultação em gravar seu primeiro álbum mascarada em indiferença. A aversão à fama desde o início da carreira, onde mais de uma vez em depoimentos ela afirma que não saberia lidar e sucumbiria. A paixão viciante por Blake. O tom esperançoso do início dá então lugar ao melancólico e ao desesperador fim.  O peso emocional de Amy reflete a personalidade da artista, que se rendeu aos exageros das drogas como uma válvula de escape ao que sua vida se tornara. É uma obra comovente que nos leva a conhecer duas Amys: a da fase “Frank”, com a cantora sendo criativa, engraçada e empolgada e a da fase “Back and Black”, com a cantora autodestrutiva e sombria que, infelizmente, conhecíamos muito bem.

 

 

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Crítica: Ex Machina – Instinto Artificial (2015)

O que diferencia o ser humano de uma máquina? O que nos faz seres humanos? Nossos sentimentos, nossa consciência, nossa alma? Esses são alguns dos questionamentos abordados por “Ex Machina”, um filme que gera uma série de reflexões sobre a nossa existência e traz aquela famosa questão: a inteligência artificial é capaz de superar a inteligência humana? A criatura é capaz de se voltar contra o criador?

“Ex Machina” é um filme de ficção científica que marca a estreia do diretor Alex Garland de maneira brilhante. Poderia ser mais um filme do gênero, abordando a criação de uma inteligência artificial, como estamos cansados de ver, mas a forma como o enredo é desenvolvido nos envolve do começo ao fim, os conflitos abordados são muito mais “humanos” que tecnológicos.

A trama se inicia com Caleb ( Domhnall Gleeson), um jovem programador, ganhando um concurso para passar uns dias na isolada e luxuosa casa do CEO de empresa que trabalha, Nathan (Oscar Isaac), que enriqueceu desenvolvendo um algoritmo de busca.

Caleb é designado por Nathan a fazer parte do Teste de Turing – teste no qual um ser humano interage com uma inteligência artificial e se não percebe que se trata de um computador, o teste é aprovado – mas no caso específico de Caleb, sua tarefa é comprovar se o robô criado por Nathan, Ava ( Alicia Vikander) é dotada de consciência ou apenas finge ter uma.

Ava é a primeira inteligência artificial do mundo, ela é mantida em um quarto, sem contato algum com o mundo exterior. Caleb conversa com ela através de um vidro, analisando a capacidade dela de se passar por um humano. Uma empatia e conexão começam a surgir entre os dois, os diálogos vão ficando mais intensos, e o desejo por conhecer o outro melhor é crescente.

É aí que entra a questão da sexualidade, Caleb questiona Nathan o porquê
dele ter feito a robô mulher e dotada de sensualidade, pergunta se isso não é um forma de distração e faz uma alusão às assistentes do mágico, que sempre são bonitas e tiram o foco do truque em si. Nathan argumenta dizendo que a sexualidade faz parte da essência humana, mais tarde, porém, descobrimos que fazer uma robô mulher foi uma escolha pessoal.

Ava usa diversos artifícios para conquistar Caleb, por isso fica claro que ela é sim, dotada de inteligência e consciência, tudo que ela faz é planejado, cada ação, fala, expressão, tudo é pensado por ela. A casa em que estão é totalmente tecnológica, há câmeras por toda parte, Nathan é ciente de tudo o que acontece em seu domínio. Mas quedas de energia são frequentes, e são nesses breves momentos que Ava e Caleb se aproximam ainda mais.

Falemos agora dos personagens. Ava, interpretada pela talentosíssima Alicia Vikander, é a melhor personagem, em minha opinião. Ava é hipnotizante, enigmática e cativante. Alicia usa cada expressão de forma perfeita e nos faz acreditar totalmente na humanidade e nas boas intenções de Ava.

Caleb, muito bem interpretado por Domhnall Gleeson, é um jovem muito inteligente, porém ingênuo e solitário, no começo ele tenta analisar tecnicamente a androide, mas depois acaba agindo pela emoção. Em determinada parte da trama, começa a duvidar da própria existência, não sabe mais se é um homem ou uma máquina, e não sabe mais em quem acreditar, colocando-nos em dúvida também.

Nathan é interpretado maravilhosamente por Oscar Isaac. Ele é um jovem misterioso e por vezes assustador. O tempo todo é difícil saber quais são suas reais intenções, se ele é o vilão ou se é o mocinho. Dedica-se muito à atividade física, mas vive se embebedando.

O filme traz uma temática religiosa muito forte. Nathan é o criador, que tudo sabe e que tudo vê, até sua criação Ava, remete a Eva. Ao todo, Caleb tem 7 sessões de conversa com Ava, em referência aos 7 dias de criação do mundo.

Outra questão muito pertinente abordada é o patriarcado é a violência contra mulher. Nathan criou outras robôs do gênero feminino para uso sexual, elas vivem presas sob seu domínio e para uso pessoal. Em referência às milhares de mulheres que passam a vida sob abusos e afastadas do mundo, submissas ao domínio masculino. A superação da inteligência de Ava sobre os homens na história e sua busca pela liberdade, faz alusão a luta da mulher pela igualdade de gênero.

O cenário de “Ex Machina” é basicamente representado pela residência de Nathan e a natureza ao redor dela. A casa tem poucas cores, parece um grande laboratório, limpo e frio, tem poucas janelas, cheio de portas, mas nem todas podem ser acessadas, pois escondem segredos por trás delas. É claustrofóbica e opressiva, quando há quedas de energia todas as portas ficam bloqueadas e uma luz vermelha é acesa, trazendo uma atmosfera ainda maior de aprisionamento. A música é utilizada nos momentos de mais tensão, alertando-nos que algo está prestes a acontecer e normalmente, não é algo bom.

Enfim, “Ex Machina” não é mais um filme de ficção científica. Ele te faz pensar sobre a existência humana, sobre até que ponto o desenvolvimento tecnológico nos é benéfico. Traz a questão da perda de privacidade e como as máquinas estão cada vez mais integradas a nós mesmos e ao nosso cotidiano. É um indicado de peso ao Oscar e um filme que eu recomendo.