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Críticas de Cinema, Filmes

Crítica: O filme da minha vida (2017)

Antes, eu só via o início e o fim dos filmes. O início, para conhecer a história; e o fim, gostava de assistir porque o fim é sempre bonito.

Assim se inicia O Filme da Minha Vida, longa brasileiro que estreou nos cinemas em 3 de agosto. Primeira adaptação dos parceiros Selton Mello e Marcelo Vindicatto, o filme é baseado na obra Um Pai de Cinema, do chileno Antonio Skármeta (o qual faz uma participação especial em cena que se passa no bordel).

Terceiro longa do Selton-diretor, o filme conta com a participação de um time que já trabalhou com ele em O Palhaço (2011) e, por isso mesmo, foi escolhido minuciosamente pelo diretor: Vania Catani na produção; Claudio Amaral Peixoto na direção de arte; figurino de Kika Lopes; e, a maravilhosa trilha musical de Plínio Profeta. Além de Walter Carvalho na direção de fotografia, o qual já havia trabalho com o Selton-ator em Lavoura Arcaica (2001).

A história principal é apresentada logo de cara, com narração do personagem principal Tony Terranova (Johnny Massaro). Filho de pai francês e mãe brasileira, Tony vai estudar na cidade grande “para ser alguém na vida” e, quando volta formado como professor, seu pai Nicolas (Vincent Cassel) sobe no mesmo trem para voltar para a França.

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Saí do cinema aérea, como na cena em que Tony flutua ao admirar as irmãs Madeira, Luna (Bruna Linzmeyer) e Petra (Beatriz Arantes). Eu tinha acabado de assistir a um drama, por que estava tão feliz?

A explicação veio pela trilha sonora que não saiu da minha cabeça, cheguei em casa cantando “Coração de papel”, sucesso de Sérgio Reis na década de 60.

Filmado na serra gaúcha, a obra traz uma atmosfera de saudosismo, seja pela já mencionada trilha sonora (que inclui “I Put Spell On You”; “Errei, Sim”; “Hier Encore”; “Comme d’habitude” e “Voilà”), seja pela fotografia ferrugem de Walter ou pela cuidadosa direção de arte de Claudio.

Além dos já mencionados elementos técnicos, são vários elementos narrativos que reverenciam o passado: as brincadeiras das crianças no colégio, os primeiros amores, a descoberta do sexo, o cinema em preto e branco, os cartazes da antiga Vera Cruz, a viagem de trem.

À saudade, vem se juntar a ausência. Depois da partida do pai, encontramos Tony em um estado de profunda melancolia. Não consegue trilhar seu próprio caminho, nem desenvolver uma relação amorosa com sua melhor amiga Luna. A figura paterna não está mais presente, porém, deixa uma sombra da qual Tony não consegue se libertar. Tony não vive, apenas espera. Olha para as fotografias na parede que congelam o passado à que ele tanto se apega. Sonha com o pai, lembra-se de sua infância, olha para a antiga moto de Nicolas e mal consegue encará-la: “Nas costas da memória sigo revirando as suas lembranças”.

Assim como Tony, a primeira metade do filme é arrastada, lenta, guiada pelo sonho. Em certo momento, Luna diz à sua irmã Petra que quando ela foi embora de casa, o tempo para Luna parou. O mesmo acontece para Tony, a imagem do relógio parado é a sua vida, contudo, ela pode ser consertada, e o ponteiro voltar a girar.

Depois de escrever uma carta ao pai, Tony chega à conclusão de que “é hora de encontrar o mundo” e, neste ponto, a narrativa ganha ritmo mais acelerado. Seguindo os conselhos do amigo Paco (Selton Mello) de que “cara feia não bota ninguém pra frente” e “toca os teus caminhos, guri”; Tony pode agora desenvolver sua paixão por Luna, permitir-se ser feliz, caminhar. E é exatamente quando se decide seguir para o futuro, que o passado enfim se resolve.

ATENÇÃO: O TRECHO ABAIXO CONTÉM SPOILERS

No alto do cinema, na sala de projeção, enquanto Tony e Luna assistem a O Rio Vermelho (1948, de Howard Hawks), o projecionista ouve com atenção a uma fala do filme: “toda vez você olhará para trás, esperando me ver, mas a única vez que você não olhar, eu estarei lá”. O projecionista se revela sendo Nicolas, que decide voltar à vida do filho.

O diálogo com a linguagem cinematográfica também é estabelecido, seja no título do filme (“o filme da minha vida” seria O Rio Vermelho ou a própria história de Tony cheia de reviravoltas?), nas idas à sessão, nos cartazes, no projetor ou nos rolos de película.

Interessante notar que a obra chama atenção a todo o momento para si, para a importância de não se perder uma palavra, um detalhe, porque “o meio é tão importante como o final”. Parece dizer em cada cena “para, olha, escuta. Tudo tem seu tempo, espera”.

Do ponto de vista do roteiro, tal atenção fica evidente nas frases que se encaixam perfeitamente (e explicam) a história dos personagens. Até mesmo a frase original do filme O Rio Vermelho (“toda vez que você olhar para trás, espere me ver, porque uma vez você se virará e eu estarei lá”) acaba por ser modificada para se encaixar melhor à narrativa.

Com relação à direção, Selton opta por se utilizar, em boa parte do filme, de planos próximos dos personagens, mostrando a importância de suas expressões e sentimentos.

Fonte: making of

Após o reaparecimento de Nicolas, Selton consegue amarrar perfeitamente toda a tensão construída até aquele momento. Tudo é explicado. O sobressalto de Paco ao ouvir Tony falar das belezas de Petra; o sumiço da moça; o não recebimento de nenhuma carta do pai; a grande atenção dada ao fato de Tony querer ir ao cinema; a insistência de Paco em fazer com que Tony esqueça o pai; o interesse daquele pela mãe deste; a menção de Tony ao fato de que não precisa de luvas de boxe, pois nunca bateu em ninguém.

A interpretação de Johnny Massaro consegue mostrar a trajetória do herói durante a narrativa: de garoto melancólico vivendo à sombra do pai, a senhor de seu próprio destino. O arco dos personagens Paco e Nicolas também se desenvolve e conseguimos ver nitidamente sua transformação.

Os trilhos e o trem são, na verdade, o maior signo e metáfora dentro da obra. Rolando Boldrin interpreta o maquinista Giuseppe, personagem criado especialmente para ele e que não está presente no livro de Skármeta. Boldrin é uma figura mítica dentro da obra, assim como Caronte carrega as almas dos recém-mortos, Giuseppe é aquele que leva os corpos dos vivos aos seus destinos, “para resolver seus problemas”.

Fonte: Globofilmes

O único pecado da obra talvez resida justamente na transparência de seu campo metafórico, com frases explicativas e filosóficas colocadas durante todo o filme, o que acaba por trazer seu significado “mastigado” demais ao espectador. Um bom enigma é aquele que não se deixa revelar tão facilmente e que, por isso mesmo, faz com que sua descoberta seja mais satisfatória.

O primeiro e um dos últimos planos do filme mostram o mesmo enquadramento: a linha de trem à esquerda, uma estrada de chão à direita. No início, um trem passa enquanto a estrada permanece vazia, é Tony que trilhará seu caminho para descobrir seu lugar no mundo.

No fim, o mesmo trem passa novamente, levando a mãe de Tonny, Sofia (Ondina Clais), única personagem que não é desenvolvida durante a narrativa, enquanto Tony e Luna seguem de moto pela estrada da direita.

É a vez de Sofia ser levada pelo trem para seu destino, para que sua trajetória se desenvolva, enquanto Tony, que já passou simbólica e literalmente por esse percurso, corre livre e satisfeito seu próprio caminho.

 

*Agradecimento especial à Beatriz Abrucez pela revisão do texto