O viés artístico do universo drag queen ganhou mais evidência na última década e essa devida exposição está certamente atribuída à visibilidade que alguns programas de TV trouxeram. No entanto, não é de agora que essa discussão existe. Algumas artistas já têm essa luta há tempos. Natural de Belo Horizonte, Dolly Piercing possui mais de duas décadas de atuação. Seu talento extrapola a trajetória como drag e inclui uma banda de rock e um passado como estilista. No próximo sábado, 24 de novembro, ela é uma das headliners do “Les Girls”, realizado no Itália Mia (Rua Rui Barbosa, 354, Bela Vista), a partir das 21h30.
No palco, dez drags vão executar clássicos de nomes atemporais como Cher, Adele, Marilyn Monroe, Sarah Brightman, Lady Gaga, entre outras. Dolly impersonificará Madonna, uma de suas referências, e cantará um hit ao vivo (isso mesmo, nada de dublagem). À frente de sua banda – Dolly & Piercings –, ela costuma incluir no repertório versões pouco convencionais de artistas como Ney Matogrosso, Tetê Espíndola, Madonna e Katy Perry. Os shows em si costumam ser mais do que musicais e trazem boas doses de referências estéticas, tendo como destaque o figurino da vocalista. Em São Paulo, será uma apresentação solo.
O apelo estético não é coincidência. Formada em Moda pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Dolly tem um passado como estilista da marca mineira Vide Bula. Além disso, ela é responsável pela maior parte das roupas usadas em palco. Recentemente, a artista lançou uma faixa em parceria com sua amiga paulista, Paulette Pink, batizada como “Ninguém segura”.
A obra foi feita a quatro mãos pelas duas drags e ganhou um clipe assinado por Rafael Sandim e produção musical de Ricardo Brilhante. “A ideia inicial era compor uma marchinha de Carnaval. Então, busquei inspiração em Dorival Caymmi, naquela coisa mágica do tabuleiro da baiana”, diz Dolly. “Mas acabamos indo para o universo clubber”, emenda Pink.
Batemos um papo com Dolly sobre sua carreira. Leia a seguir.
De onde veio a ideia de fazer um projeto musical de rock?
Sou drag desde 1995. Como a maioria, eu dublava. Paralelamente ao trabalho de transformista, fazia teatro. Foi quando a vocação para cantar se manifestou. Com muita exigência de amigos, comecei a cantar quando me apresentava em boates gays. Depois disso, conheci meu namorado, roqueiro e baixista, que sempre apoiou meu trabalho. Em 2008, participei de uma Virada Cultural em um show solo com bases instrumentais pré-gravadas. Foi um grande experimento para o que viria mais tarde. Em 2011, junto de meu namorado, uma guitarrista trans (Nikky Rose) e um baterista trans (Caio Bisquila), fizemos a primeira formação da banda.
Quais são os próximos projetos da banda e da drag Dolly?
Hoje, somos um trio: Leonidas Ribeiro continua no baixo e Luã Linhares no teclado majoritariamente, no teclado e na sequência pré-gravada de harmonia e ritmo. Tenho um show em homenagem ao Ney Matogrosso intitulado “Um Grito de Estrelas”. Vamos fazer um repertório tipo banda de baile focado em hits.
Como você vê a cena musical nacional em relação à diversidade LGBT? Ainda há muito conservadorismo?
Não basta não ser careta, tem que haver verdade e honestidade. Músicas descartáveis, letras redundantemente inúteis e arte que pretende simplesmente entreter refletem valores que por um lado parecem libertadores, mas por outro não geram crítica e reflexão. Sinto, no meu ponto de vista, uma visibilidade irresponsável. Mas há aqueles que dirão que têm seu mérito. Por enquanto, vejo artistas que se enriquecem e jogam como o jogo manda, bem como em um roteiro falso de egos e manipulação.
O que o público paulista pode esperar da sua performance no dia 24/11?
O show “Les Girls” foi uma iniciativa da famosa drag queen, artista plástica, figurinista e maquiadora Paulette Pink. Ele reuniu artistas talentosas de sua convivência. Todas nós cantaremos no show. Além de ser um fragmento de performance para entreter, é uma postura política no âmbito abrangente. Um resgate de autoestima e dignidade. O despertar de “uma diva dentro de si” [tema da festa]. Serei Madonna, mas teremos Cher, Katy Perry, Adele, Carmen Miranda, dentre outras fabulosas. Será muito legal ver tanta gente boa reunida.
Como foi esse projeto com a Paulette Pink?
Paula Sabbatine é uma guerreira – e talvez injustiçada. Por isso, ela busca de forma admirável combater o mal com o bem. Ela não lembrava de mim, da época quando nos conhecemos há anos em uma festa que fizemos juntas no interior de Minas. Mas nos reencontramos no Facebook e desde então ficamos muito ligadas. A parceria se deu mesmo neste ano. A pedido dela, fiz uma música e ela contribuiu com algumas mudanças na letra também composta por mim. Em seguida, fizemos o clipe “Ninguém Segura” dirigido por Rafael Sandim. Paulette é uma dessas pessoas que nos agregam de graça e do nada. Um exemplo que todas nós drags deveríamos nos inspirar a exercer umas com as outras.
Serviço:
LES GIRLS – UMA DIVA DENTRO DE VOCÊ
Data: 24/11/2018
Horário: abertura às 20h; shows a partir das 21h30
Valor: R$ 50 (R$ 30 consumíveis)
Local: Itália Mia – Rua Rui Barbosa, 354, Bela Vista, São Paulo (SP)
Vendas e informações: (11) 98111-5239