A espera por mais um livro de Veronica Roth parece estar chegando ao fim. No dia 12 de janeiro de 2017 chegará as livrarias “Carve the Mark”, o primeiro livro da nova duologia sci-fi da autora.
Cyra é a irmã do tirano brutal que governa o povo Shotet. O Dom de Cyra dá a ele dor e poder – algo que seu irmão usa para torturar seus inimigos. Mas Cyra é muito mais do que apenas uma lâmina na mão do irmão: ela é resistente, rápida em seus pés e mais esperta do que ele pensa.
Akos é da nação amante da paz de Thuve, e sua lealdade a sua família é ilimitada. Embora protegido por seu Dom incomum, Akos e seu irmão acabam sendo capturados por soldados Shotet inimigo, Akos está desesperado para salvar seu irmão com vida – não importa a que custo. Quando Akos é empurrado para o mundo de Cyra, a inimizade entre os seus países e famílias parece insuperável. Eles devem decidir entre se ajudarem para sobreviver ou destruir um ao outro.
Capítulo 7
A primeira vez que vi os irmãos Kereseth, foi na passagem dos funcionários que corre ao lado do Salão das Armas. Eu era várias estações mais velha, chegando rapidamente na fase adulta.
Meu pai tinha se juntado a minha mãe no Céu algumas semanas atrás, morto num ataque durante nossa ultima permanência temporária. Meu irmão, Ryzek, estava agora seguindo o caminho que nosso pai tinha estabelecido para ele, o caminho para a legitimidade do Shotet. Talvez até a dominância do Shotet.
Minha ex-tutora, Otega, foi a primeira a me contar sobre os Kereseths, pois os serventes da nossa casa cochichavam a historia ao longo dos tachos e panelas na cozinha, e ela sempre me falou dos cochichos dos serventes.
“Esses foram pegos pelo mordomo do seu irmão, Vas,” ela me disse enquanto checava minha redação por erros gramaticais. Ela ainda me ensinava literatura e ciência, mas eu a ultrapassei em outros assuntos, e agora estudava sozinha enquanto ela retornava para a cozinha. “E Vas arrastou-os pelo Divide chutando e gritando, para ouvir os outros. Mas o mais novo – Akos, escapou de suas obrigações e de alguma forma roubou uma lamina e a voltou contra um dos soldados de Vas.”
“Qual deles?” Perguntei. Eu conhecia os homens com quem Vas viajava. Sabia qual gostava de doces, qual tinha um ombro esquerdo fraco, e ainda qual deles tinha treinado um pássaro para comer as recompensas de sua boca. É bom saber dessas coisas. No caso.
“Kalmev Radix.”
O amante de doces.
Levantei minhas sobrancelhas. Kalmey Radix, da elite de confiança do meu irmão, foi morto por um garoto Thuvhesit? Essa não foi uma morte honrada.
“Por que os irmãos foram levados?” Perguntei a ela.
“Seus destinos.” Otega abanou as sobrancelhas. “Ou assim a história diz. E já que seus destinos são, evidentemente, desconhecidos por Ryzek, é uma história e tanto.”
Eu não sabia os destinos dos garotos Kereseth, ou qualquer um a não ser o meu e o de Ryzek, apesar deles terem sidos transmitidos alguns dias atrás no feed de notícias da Assembleia. Ryzek tinha cortado o feed de notícias assim que o líder da Assembleia entrou na tela. Ele tinha anunciado em Othyran, e mesmo que falar e aprender todas as línguas menos Shotet tenha sido banido do nosso país por mais de dez estações, ainda assim era melhor estar seguro.
Meu pai me contou meu próprio destino depois que minha habilidade se manifestou, com pouca cerimonia: A segunda criança da família Noavek vai cruzar o Divide. Um estranho destino para a filha favorecida, mas apenas porque é muito maçante.
Eu não me aventurava mais na passagem dos serventes com frequência – haviam coisas acontecendo nessa casa que eu não queria ver – mas pegar um vislumbre dos Kereseths capturados… bem. Eu tinha que fazer uma exceção.
Tudo que eu sabia sobre o povo Thuvhesit – tirando o fato que eles são nossos inimigos – era que eles tinham pele, fácil de perfurar com uma lâmina, e eles exageraram em flores de gelo, a alma de sua economia. Eu aprendi a língua deles por insistência da minha mãe – a elite Shotet era isenta das proibições do meu pai contra o aprendizado de línguas, claro – e foi duro pra minha língua, que estava acostumada ao idioma, sons fortes de Shotet ao invés da silenciosa, rápida Thuvhesit.
Eu sabia que Ryzek levaria os Kereseths para o Salão das Armas, então eu me agachei nas sombras e deslizei o painel da parece para trás, deixando-me uma rachadura para ver, quando ouvi passos.
A sala era como todas as outras nas terras de Noavek, as paredes e chão feitas de madeira escura tão polida que parecia ser revestida por um filme de gelo. Pendente no teto distante estava um lustre feito de globos de vidro e metal torcido. Um pequeno pacote de insetos batiam as asas dentro dele, fazendo uma mudança de luz estranha no ambiente. O espaço estava quase vazio, todas as almofadas do chão – equilibradas em baixas arquibancadas de madeira, para conforto – juntando poeira, tanto que sua cor creme virou cinza. Meus pais deram festas aqui, mas Ryzek usou a sala apenas para as pessoas que ele queria intimidar.
Eu vi Vas, o mordomo do meu irmão, antes de todo mundo. O lado longo de seu cabelo era gorduroso e mole, e o lado raspado, vermelho com queimaduras de barbear. Ao lado dele, um menino, muito menor que eu, sua pele era uma colcha de retalhos de machucados. Ele era magro nos ombros, sobressalentes e curtos. Tinha pele clara, e uma certa tensão no corpo, como se estivesse se preparando para algo.
Soluços abafados vieram de trás dele, onde um segundo menino, com um cabelo cacheado denso. Ele era mais alto e mais largo que o primeiro Kereseth, mas estava encolhido, parecendo ser menor.
Esses eram os irmãos Kereseth, as crianças de destino favorecido de sua geração. Não muito impressionante de vista.
Meu irmão esperou eles cruzarem a sala, seu longo corpo drapeado sobre os passos que o levaram para a plataforma. Seu peito coberto com a armadura, mas seus braços estavam nus, mostrando uma linha de marcas de matança que iam até as costas de seu antebraço. Essas eram mortes ordenadas pelo meu pai, para contradizer qualquer boato sobre a fraqueza de meu irmão que pode ter sido espalhado pelas classes inferiores. Ele segurava uma lamina pequena em sua mão direita, e a cada alguns segundos ele a girava na palma da mão, sempre pegando pela alça. À luz azulada, sua pele era tão pálida que quase parecia um cadáver.
Ele sorriu quando viu seus Thuvhesit capturados, seus dentes à mostra. Ele poderia ser bonito quando sorria, meu irmão, mesmo que estivesse prestes a te matar.
Ele se inclinou para trás, balançando em seus cotovelos e inclinou a cabeça.
“Ora, ora,” ele disse. Sua voz era profunda e rouca, como se ele tivesse passado a noite gritando seus pulmões pra fora.
“É esse sobre quem ouvi tantas histórias?” Ryzek concordou para o garoto Kereseth machucado. Ele falou Thuvhesit secamente. “O garoto Thuvhesit que ganhou a marca antes mesmo de coloca-lo num navio?” Ele riu.
Eu cerrei os olhos para o de braço machucado. Tinha um corte fundo na parte de fora, próximo ao cotovelo, e uma marca de sangue que corria entre suas juntas, e secava ali. Uma marca de matança, não acabada. Uma nova, pertencendo, se os rumores forem verdade, ao Kalmev Radix. Esse era Akos, e o que ficava fungando era Eijeh.
“Akos Kereseth, o terceiro filho da família Kereseth.” Ryzek de pé, girando a faca na palma da mão, andou descendo os degraus. Ele fazia todos parecerem pequenos, até Vas. Ele era como um homem de tamanho médio que foi esticado pra cima e é mais magro do que deveria ser, seus ombros e quadris muito estreitos para suportar o próprio peso.
Eu era alta também, mas era ai que minhas semelhanças físicas com meu irmão acabavam. Não era incomum irmãos Shotet serem diferentes, tendo em conta como nossos sangues são misturados, mas nós éramos mais distintos que os outros.
O garoto – Akos – levantou seus olhos para Ryzek. A primeira vez que vi o nome Akos foi num livro de história Shotet. Pertencia a um líder religioso, um clérigo que preferiu tirar sua vida à desonra-la segurando uma lâmina. Então esse garoto Thuvhesit tinha um nome Shotet. Será que seus pais esqueceram de sua origem? Ou queriam honrar algum sangue Shotet há muito tempo esquecido?
“Por que estamos aqui?” Akos disse, em Shotet.
Ryzek apenas sorriu ainda mais. “Vejo que os rumores são verdade – você fala a língua reveladora. Fascinante. Me pergunto como você tem sangue Shotet?” Ele cutucou o canto do olho de Akos, no machucado que tinha ali, fazendo-o estremecer. “Você recebeu um castigo e tanto por matar um dos meus soldados, como posso ver.”
Ryzek encolheu um pouco enquanto falava. Apenas alguém que o conhece por tanto tempo como eu conseguiria ver, tinha certeza. Ryzek odeia ver dor, não por empatia a quem está sofrendo, mas porque ele não gosta de ser lembrado que a dor existe, e que ele está tão vulnerável a ela quanto qualquer um.
“Quase tive que carregar ele até aqui,” Disse Vas. “Definitivamente tive que carrega-lo para o navio.”
“Normalmente você não sobreviveria a um gesto de desafio como matar um de meus soldados,” disse Ryzek, falando com Akos como se ele fosse uma criança. “Mas seu destino é morrer servindo a família Noavek, morrer me servindo, e eu prefiro ter algumas estações com você primeiro.”
Akos estava tenso desde que eu pus meus olhos nele. Enquanto eu assistia, foi como se toda a dureza nele tivesse derretido, fazendo-o parecer tão vulnerável como uma criança pequena. Seus dedos estavam enrolados, mas não em punhos. Passivelmente, como se ele estivesse dormindo.
Acho que ele não sabe seu destino.
“Isso não é verdade,” disse Akos, como se ele estivesse esperando que Ryzek o ajudasse a aliviar o medo.
“Oh, eu te asseguro que é. Você gostaria que eu lesse uma transcrição do anúncio?” Ryzek pegou um papel quadrado de seu bolso traseiro – ele tinha vindo a essa reunião preparado para causar estragos emocionais, aparentemente – e o desdobrou. Akos estava tremendo.
“O terceiro filho da família Kereseth,” Ryzek leu, em Othyrian. De algum jeito, ler o destino na língua que ele foi anunciado fez parecer mais real pra mim. Imagino se Akos, estremecendo em cada sílaba, sentia o mesmo. “Morrerá em serviço da família Noavek.”
Ryzek deixou o papel cair no chão. Akos pegou com tanta força que quase rasgou. Ele permaneceu agachado enquanto lia as palavras – repetidamente – como se rele-las mudaria alguma coisa. Se sua morte, e seu serviço à nossa família, não estivessem preordenados.
“Isso não acontecerá,” disse Akos, mais intensamente agora, enquanto se punha em pé. “Eu prefiro… eu prefiro morrer à…”
“Oh, não acho que isso é verdade,” Ryzek disse, abaixando a voz num quase sussurro. Ele se inclinou pra mais perto do rosto de Akos. Os dedos de Akos fizeram buracos no papel, mesmo ele estando imóvel. “Sei quando as pessoas querem morrer. Eu mesmo já fiz muitos desejarem a morte. E você ainda está bem desesperado para sobreviver.
Akos respirou fundo, e seus olhos encontraram os olhos de meu irmão com uma nova estabilidade. “Meu irmão não tem nada a ver com você. Você não tem direito a ele. Deixe-o ir e eu… não causarei nenhum problema.”
“Você parece ter feito muitas hipóteses erradas sobre o que você e seu irmão estão fazendo aqui,” disse Ryzek. “Nós não, como vocês podem ter suposto, cruzamos o Divide apenas para acelerar seu destino. Seu irmão não é um efeito colateral; você sim. Nós fomos em busca dele.”
“Você não cruzou o Divide,” Akos retrucou. “Você apenas sentou e deixou seus lacaios fazerem tudo por você.”
Ryzek virou e subiu até o topo da plataforma. A parede de cima estava coberta com armas de todas as formas e tamanhos, a maioria laminas tão longas quanto meu braço. Ele selecionou uma faca grande, grossa com uma alça resistente, como um cutelo.
“Seu irmão tem um destino em particular,” Ryzek disse, olhando a faca. “Eu suponho, você não sabendo do seu destino, que você não sabe o destino do seu irmão também?”
Ryzek sorriu de um jeito que ele sempre fazia quando sabia algo que outras pessoas não sabiam.
“Ver o futuro da galáxia,” Ryzek citou, em Shotet dessa vez. “Em outras palavras, ser o próximo oráculo desse planeta.”
Akos ficou em silêncio.
Fechei meus olhos contra a linha de luz da rachadura da parede para pensar.
Para meu irmão e meu pai, cada jornada desde quando Ryzek era novo foi uma busca por um oráculo, e todas elas acabaram em nada. Provavelmente porque era quase impossível pegar alguém que sabia que você viria. Mas finalmente, parece que Ryzek achou a solução: ele localizou um oráculo que não sabia o que era, flexível o suficiente para ser moldado pela crueldade de Noavek.
Sentei pra frente de novo para ouvir Eijeh falar, sua cabeça cacheada inclinou pra frente.
“Akos, o que ele está dizendo?” Eijeh perguntou desajeitadamente em Thuvhesit, limpando o nariz com as costas da mão.
“Ele está dizendo que não vieram até Thuvhe por mim,” Akos disse sem olhar pra trás. Era estranho ouvir alguém que falava duas línguas perfeitamente, sem sotaque. Eu invejo sua habilidade. “Eles vieram por você.”
“Por mim?” Os olhos de Eijeh estavam verde pálido. Uma cor incomum, como asas de um inseto iridescente. “Por quê?
“Porque você é o próximo oráculo desse planeta,” Ryzek disse para Eijeh na língua da mãe do garoto, descendo a plataforma com a faca na mão. “Você verá o futuro, no seu todo e variedades. E tem uma variedade em particular que eu gostaria de saber.”
Uma sombra arremessou através das costas da minha mão como um inseto, minha habilidade fazendo minhas juntas doerem como se estivessem quebrando. Eu sufoquei um gemido. Sabia que futuro Ryzek queria: governar Thuvhe, Shotet, conquistar nossos inimigos, ser reconhecido como líder mundial legitimo pela Assembleia. Mas seu destino pairava sobre ele tão pesadamente quando o de Akos deve pairar agora, dizendo que Ryzek cairia perante nossos inimigos ao invés de reinar sobre eles. Ele precisava de um oráculo se quisesse evitar o fracasso. E agora ele tinha um.
Eu queria que Shotet fosse reconhecida como uma nação ao invés de uma coleção de oportunistas rebeldes tanto quando meu irmão queria. Então por que a dor da minha habilidade – sempre presente – aumentava a cada segundo? “Eu…” Eijeh assistia a faca na mão de Ryzek. “Não sou um oráculo. Nunca tive uma visão, não posso… não pode se…”
Eu pressionei meu estomago de novo.
Ryzek balançou a faca em sua palma e a atirou para vira-la. Ele vacilou, movendo-a num circulo lento. Não, não, não, me peguei pensando, incerta.
Akos mudou para o caminho entre Ryzek e Eijeh, como se pudesse parar meu irmão com apenas a carne de seu corpo.
Ryzek assistiu sua faca virar em direção ao Eijeh.
“Então você deve aprender, rápido,” disse Ryzek. “Porque quero que encontre a versão do futuro que eu preciso e que me diga o que devo fazer para alcança-lo. Por que não começamos com uma versão do futuro onde Shotet, ao invés de Thuvhe, controle esse planeta – hmm?
Ele concordou para Vas, que forçou Eijeh para se ajoelhar. Ryzek pegou a lamina pela alça e tocou a ponta na cabeça de Eijeh, bem abaixo de sua orelha. Eijeh choramingou.
“Não consigo…” disse Eijeh. “Não sei como formar visões, não…”
E então Akos agarrou meu irmão de lado. Ele não era grande o suficiente para alcançar Ryzek, mas ele pegou meu irmão de surpresa, e Ryzek tropeçou. Akos puxou o cotovelo de volta para soca-lo – idiota, pensei comigo mesma – mas Ryzek era rápido demais. Ele levantou com um chute no chão, acertando Akos no estomago, e em seguida, levantou-se. Ele agarrou Akos pelo cabelo, puxando sua cabeça pra cima, e cortando ao longo do queixo de Akos, orelha ao queixo. Ako gritou.
Era o lugar que Ryzek mais gostava de cortar as pessoas. Quando ele decide dar uma cicatriz a alguém, ele queria que ficasse visível. Inevitável.
“Por favor,” disse Eijeh. “Por favor, não sei como fazer o que você me pede, por favor não machuque ele, não machuque ele, por favor…”
Ryzek encarou Akos, que estava segurando o rosto, seu pescoço escorrendo sangue.
“Não conheço essa palavra Thuvhesit, ‘por favor’” disse Ryzek.
Mais tarde naquela noite, ouvi um grito ecoar nos corredores quietos de Noavek. Sabia que não era de Akos – ele foi mandado para nossa primo Vakrez, “para crescer uma pele mais espessa” como disse Ryzek. Ao invés disso, reconheci o grito como sendo a voz de Eijeh em reconhecimento de dor, enquanto meu irmão tentava arrancar o futuro de sua cabeça.
Sonhei com isso por um longo tempo depois.