Tags

Devir

Livros, Resenhas

Resenha: Projeto Manhattan Vol. 2, Hickman e Pitarra

Como prometido semana passada, postamos agora a resenha de Projeto Manhattan Vol. 2. O segundo livro da série continua sendo assinado por Hickman e Pitarra, mas as cores ficaram por conta de Jordie Bellaire – exceto o capítulo 10, colorido por Ryan Browne. Bellaire é uma colorista de histórias em quadrinho estadunidense; entre outros trabalhos, ilustrou a HQ Nowhere Man, que foi vencedora do Eisner Award de “Melhor Colorização” em 2014. Browne, além de colorista, é o criador de duas histórias em quadrinhos, God Hates Astronauts e Blast Furnace.

O que Hickman nos apresenta agora é a sua versão do período conhecido como Guerra Fria, momento da História marcado por uma disputa ideológica entre Estados Unidos e União Soviética (URSS). Nesse período, a disputa entre os países não aconteceu pela via do combate armado, mas por conflitos indiretos. Um dos mais famosos deles foi a Corrida Espacial, e adivinhem só qual grupo estadunidense de cientistas supergênios estava envolvido. Isso mesmo, o do Projeto Manhattan.

Do outro lado, no território que hoje conhecemos como Rússia, somos apresentados ao projeto Cidade das Estrelas, que seria a versão soviética do P.M. Ele era ultra secreto no período soviético, e assim como o P.M., sequestrou os principais cientistas do nazismo no final da Segunda Guerra. Foi a URSS, aliás, a responsável por construir e lançar o primeiro satélite artificial da Terra, o Sputnik I.

Mas falemos propriamente do livro. Nele vemos o Projeto Manhattan tomando proporções ainda maiores, não só porque os conflitos se intensificaram, mas porque a capacidade tecnológica deles aumentou, bem como seu poder, o que mexeu com suas cabeças.

Já sabemos desde o volume 1 que Hickman e Pitarra gostam de explorar várias histórias simultâneas, com vários personagens em cada uma delas. Neste volume os autores intensificam a prática, nos entregando várias narrativas que se conversam para formar o contexto geral, o seu pano de fundo. Vejamos um pouco de cada uma dessas histórias.

1) Lembram-se daquele cientista nazista, Helmutt, que se esconde dos companheiros e é dado como morto durante o ataque dos EUA à cidade científica alemã? Pois bem, ele volta no volume 2 sequestrado pelo exército da URSS, e através dessa história Hickman faz uma comparação entre nazistas e soviéticos (que nessa época estavam já sob o comando stalinistas). Quando é encontrado e sequestrado, Helmutt enfrenta dificuldades, mas acaba acreditando que lá na URSS as coisas seriam diferentes, que lá encontraria respeito e liberdade. Não foi o que aconteceu. Tanto servindo aos nazistas quando aos soviéticos, Helmutt é tratado como simples peça na engrenagem do sistema, seja ele qual for.

2) A equipe do Projeto Manhattan, que agora parece ter o nazista von Braun como porta-voz oficial, se encontra com a da Cidade das Estrelas e propõe uma parceria que aconteceria sem o consentimento ou o conhecimento do Estado. Aparentemente, alienígenas furiosos representariam um perigo muito maior para a humanidade do que o sistema capitalista ou o comunista, algo que os governos e seus antigos representantes não poderiam compreender. Dessa forma, caberia apenas a eles lidar com a situação.

3) Quando os cientistas do projeto se rebelam contra o Estado, agindo como se tivessem uma compreensão superior da situação da Terra, os representantes do poder tradicional precisam tomar medidas drásticas. Truman e Roosevelt I.A. se unem a outros poderosos líderes: um príncipe catalão, uma figura misteriosa que serve de canal para a riqueza das Organizações Religiosas, um egípcio que serve de conexão  com a Magia do velho mundo e um representante do que chamam de mundo emergente. Eles se opõem aos cientistas e usam todo o poder do Estado para pará-los, nos dando muitas cenas sangrentas e reveladoras.

4) No último capítulo do quadrinho, que é colorido por Ryan Browne, adentramos ao maravilhoso (ou terrível) mundo dos Oppenheimers. Este capítulo interessantíssimo nos mostra um pouco mais do funcionamento da mente de Joseph, que a essa altura é como uma cidade repleta de cópias, cada qual com sua personalidade e função. O capítulo, assim como o livro, se encerra deixando muitas possibilidades em aberto, e sem esclarecer de que forma os problemas de Oppenheimer irão interferir na história e no Projeto a partir dali.

 

Projeto Manhattan Vol. 2 é ainda melhor do que o primeiro. Os autores constroem um todo cada vez mais complexo, mas conseguem manter uma história bem coerente, com boas ligações entre todas as narrativas paralelas. Novas figuras históricas são apresentadas, como o presidente Kennedy, a cadela laika e o Ministro Ustinov. Além deles, conhecemos personagens que não foram tão diretamente baseados em personalidades reais, como todos aqueles que se uniram aos presidentes contra o P.M. e que eu já mencionei.

Terminada a leitura, fica a sensação de que todos estamos a mercê de decisões tomadas muito acima de nós, por indivíduos que nem sempre agem de acordo com necessidades maiores. Nazismo, Stalinismo e Capitalismo… Em nenhum desses contextos apresentados por Hickman o avanço tecnológico, o domínio da natureza e o conhecimento científico aparecem como neutros, porque estão sob o controle de alguém, e quanto mais a ciência avança, maior o poder de quem a detém. É nesse sentido que podemos entender o subtítulo da série: “Ciência. Ruim”

É claro que a história que Hickman e Pitarra nos contam é fictícia, e é importante ter isso em mente. O fato de seu tema ser extraído da História é só um elemento a mais no todo que ela representa. Projeto Manhattan é um desses livros que a gente só para de ler quando acaba, a história te prende e a última página de cada capítulo praticamente te obriga a ler a próxima. Para quem não conhece a HQ, recomendo muito a leitura. Para quem já chegou até aqui, nos resta esperar que a Devir publique o volume 3 o mais rápido possível, para solucionar as questões deixadas em aberto até agora.

Livros, Resenhas

Resenha: Projeto Manhattan vol. 1, Hickmam e Pitarra

Vocês provavelmente já ouviram falar do Projeto Manhattan. Ele aconteceu nos Estados Unidos, tendo como objetivo o desenvolvimento da bomba atômica. O projeto teve início em 1942 e durou até 1947, tendo apoio de outros países como Canadá e Reino Unido e chegando a ter 130 mil funcionários envolvidos.

No livro Projeto Manhattan Vol. 1, assinado por Hickman e Pitarra e publicado no Brasil em dezembro de 2013 pela editora Devir, a História, com H maiúsculo, é o pano de fundo. O que Hickman faz é contá-la do ponto de vista dos que participaram do Projeto, acrescentando elementos da ficção científica aos dados e podendo, dessa forma, explorar a aura de mistério e desconfiança que sempre o envolveu.

Jonathan Hickman desenvolve histórias em quadrinhos para a Image Comics, por meio da qual lançou Projeto Manhattan e outros trabalhos, e para a Marvel, onde contribuiu com Avengers, The New Avengers e outros. Nick Pitarra, por sua vez, é um desenhista estadunidense que já contribuiu em trabalhos como S.H.I.E.L.D., Teenage Mutant Ninja Turtles e Red Wing. As cores do volume 1 ficaram por conta da brasileira Cris Peter, que tem ganhado cada vez mais espaço no universo das histórias em quadrinhos; ela já desenvolveu trabalhos com a Marvel e com a DC, além de concorrer ao prêmio Eisner em 2012.

O título original da HQ, que é Manhattan Projects, dá a entender que o projeto estadunidense não se limitou a criar armas nucleares. O que a narrativa de Hickman propõe é que as tecnologias desenvolvidas e/ou trancafiadas nos laboratório do projeto seriam tão incríveis, assustadoras e questionáveis que a produção de bombas atômicas funcionou como um disfarce perfeito, algo impressionante o suficiente para que ninguém questionasse se havia algo a mais por trás daquilo.

No começo, duas histórias paralelas são contadas. Primeiro vemos General Leslie Groves entrevistando o Dr. Robert Oppenheimer, candidato a integrar o Projeto Manhattan. Nessa primeira cena já descobrimos que o Dr. tem um irmão, dando a deixa para a história paralela, na qual Joseph Oppenheimer nos é apresentado. A relação entre os irmãos é esclarecida aos poucos, por meio de páginas destoantes que interrompem a narrativa aparentemente central. No decorrer da história percebemos que essa relação é um dos mais interessantes elementos do volume. Tais flashbacks são responsáveis por nos mostrar mais profundamente alguns dos personagem, e em uma leitura mais atenta percebemos que todas as cenas do passado destacadas representam momentos essenciais de suas vidas, que reverberam de forma direta em suas atitudes e posicionamentos no momento atual, 1942. Além disso, esses momentos destacam o trabalho da colorista Cris Peter, que ao delimitar um padrão específico e fixo de cores para flashbacks nos ajuda a diferenciar esses momentos e cria mais um elemento bem bonito.

Outro aspecto que também nos ajuda a compreender a história são os trechos da Clavis Aurea, presentes entre os capítulos. Ela seria um diário do cientista Richard Feynman, um físico essencial ao Projeto. No site gringo CBR foi colocado que Projeto Manhattan “‘É um livro de conjunto. Ele apresenta o General Leslie Groves, Oppenheimer, Enrico Fermi, Wernher Von Braun, Einstein, FDR, Truman, Yuri Gagarin’, disse Hickman. ‘Se houver um personagem central, seria Feynman porque toda a coisa é contada a partir de sua perspectiva – de seus diários, Clavis Aurea – The Collected Feynman’”.

 

Personagens de Projeto Manhattan Vol. 1

 

Quase todos os personagens são figuras reais e estiveram envolvidos no desenvolvimento da bomba atômica, tecnologia responsável pela destruição das cidades japonesas Hiroshima e Nagasaki. Suas personalidades são bem exploradas pelo autor, que os coloca em situações que beiram o absurdo. É o caso de quando nos apresenta um portal chamado de Torii Vermelho, alimentado pela energia de monges budistas da morte; através dele saem centenas de soldados-máquina japoneses conhecidos como Máquina Mortífera Kamikaze, criados por Soichiro Honda (o mesmo que fundou a Honda Motor Company, e que chegou a produzir hélices para a Força Aérea Japonesa durante a Guerra). Além disso, o autor explora teorias da conspiração, como quando trata da relação entre humanos e criaturas extraterrestres, deixando claro que tal contato acontece há décadas.

O trabalho dos três, Hickman, Pitarra e Peter, é bem integrado, resultando em um livro de qualidade. Os traços de Pitarra dão mais sinceridade à obra, reforçam características como rugas, marcas de expressão, descuidos com a aparência… elementos que enriquecem a construção dos personagens. Nesse sentido, os trabalhos se conversam, se misturam.

Outro aspecto positivo é que o fato de ser baseado na História mexe com a curiosidade. Enquanto lia, pesquisava todos os nomes que apareciam querendo separar o real do ficcional, e percebi que em Projeto Manhattan Hickman utiliza aqueles elementos que permeiam o imaginário popular, como a relação com os alienígenas, o envolvimento entre americanos e alemães nazistas e tecnologias devastadoras sendo controladas por generais ignorantes, para construir uma ficção que, ainda que absurda, não pareça tão distante de nós e indiretamente nos apresente novos detalhes da própria História. Ele brinca com os limites entre real e fantástico.

Por tudo que mencionei, a leitura de Projeto Manhattan Vol. 1 é indicadíssima. O volume 2 foi lançado há menos de dois meses pela Devir, e já pode ser encontrado em várias livrarias. Em breve publicaremos uma resenha sobre ele. Até lá, leiam! Vale a pena.