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Consciência Negra: onde estão os protagonistas negros na literatura infanto-juvenil?

Estamos no dia 30 de novembro e o mês da consciência negra mais uma vez termina. A equipe do Beco Literário passou esse mês pesquisando as mais famosas sagas da literatura infanto-juvenil e percebemos que nelas não há um negro protagonista, por esse motivo decidimos problematizar a questão.

É inegável que muitas crianças nascidas a partir de 1970 aprenderam a ler com os gibis, afinal era isso que líamos nas cartinhas dos leitores à turminha de quatro amigos do bairro do Limoeiro. Quantos deles eram negros? E quais personagens secundários que, eventualmente, ganharam suas próprias coleções de histórias em revistas a parte eram negros? Nos contos infantis de Monteiro Lobato, os negros eram retratados como animais e Tia Nastácia era referida como “a negra de estimação”.

Harry, Bela, Percy, Katniss, Thomas, Tris e a lista continua. Os negros estavam presentes? Sim, como personagens secundários. É impactante perceber que, durante nossa formação, pouca foi a representatividade na literatura. Gramsci, um filósofo italiano, estudou o entretenimento como forma de educar a sociedade e combater o senso comum, de que forma então nosso entretenimento mais significativo, que é o mundo fictício em páginas, tem sido inclusivo?

Foi nesse debate que reconhecemos Hugo, ou Idá Aláàfin, de A Arma Escarlate, da escritora carioca Renata Ventura. A narrativa conta a história de um garoto de 13 anos, morador da favela de Santa Marta no Rio de Janeiro e que é negro, de olhos verdes e cabelos crespos que foge de ameaças do chefe do tráfego da favela onde mora e passa a desenvolver suas habilidades como bruxo. Além de ser diferente de outros protagonistas quanto a aparência, Kemen Wellisson, redator do Beco Literário e fã de A Arma Escarlate, o descreve como o oposto dos protagonistas de grandes sagas por sua origem que o forçou a se esforçar para alcançar seus objetivos, tornando Hugo um pouco desconfiado, inconsequente e egoísta.

A atitude traiçoeira, no entanto, não impede de Hugo ser descriminado por sua cor e origem, problema enfrentado por inúmeros jovens no Brasil. Kemen, entende tal papel dado à Hugo como um avanço na representação dos personagens negros que, ao menos nos últimos anos, ganharam espaço como personagens secundários já que sempre estiveram à margem da literatura: “A Arma Escarlate se passa no Rio e isso ressalta essa diferença da forma como são retratados. Acho que por ser um livro brasileiro é bem maior a quantidade de personagens negros nele, algo que não vemos em Harry Potter por exemplo (mesmo com a mudança realizada na peça onde vemos uma Hermione negra). Apesar de o Brasil ainda ser um país racista, é mais provável você encontrar personagens negros nos nossos livros, do que em livros norte-americanos.”

“A Arma Escarlate é um livro incrível que realmente me marcou bastante. Teve momentos em que determinado personagem me magoou tanto com determinada atitude que eu tive que passar uma semana sem olhar para o livro, e isso não é ruim, só nos mostra como os sentimentos são totalmente abalados ao ler esse livro. A Renata trouxe conflitos do nosso dia a dia, como tráfico de drogas, por exemplo, e os colocou dentro de um universo mágico onde nunca imaginaríamos que isso fosse chegar. O Hugo é um personagem singular, ele não é o garoto perfeito que lutará contra tudo para salvar seus amigos, ele não é “O Eleito”, o Hugo é um garoto egoísta, mas não por ser mal. Ele é egoísta porque cresceu em uma favela onde tudo é difícil e ele tem que se virar para não morrer a cada dia que decidi sair de casa para ir para a escola.” Kemen Wellisson

E, a partir de Hugo, concluímos que a literatura brasileira traz mais personagens negros que os grandes sucessos internacionais em infanto-juvenil e nomes como Machado de Assis ou Chimamanda Ngozi são poderosos na literatura nacional. Ainda assim, num país em que 53% da população é negra, o número de protagonistas negros só reflete a falta de representação da raça.