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A ditadura da beleza na comunidade gay

Esses dias eu estava conversando com uma amiga minha sobre a ditadura da beleza. Sobre o quanto esse mito atinge mulheres, todos os dias, desde sempre. Sempre precisam estar magras, comer pouco e seguirem padrões que a sociedade determina. Isso me fez refletir um pouco sobre essa ditadura da beleza do lado de cá, sobretudo na comunidade gay. É inegável que ela ainda é mais forte sobre as mulheres e tem se tornado cada dia mais potente na comunidade LGBTQ+.

Cresci lendo a Revista Capricho, que era uma revista “de menina”. Eu sempre queria saber fofocas do mundo dos famosos que eu era fã e sempre ignorava aquelas partes de editorial de moda. Apesar de hoje, perceber que talvez aquilo tenha sido o pontapé inicial desse mito da beleza para muitas meninas. Como um garoto cis e homossexual, eu sempre ignorei aquelas partes da revista. Até que entraram os Colírios Capricho no jogo.

Os Colírios, para quem não é da época, eram um grupo de meninos escolhidos para representarem a revista, representarem o lado masculino da coisa, já que a revista era majoritariamente para o público feminino. Eles eram escolhidos por votação, sempre pela beleza. Os meninos magrinhos eram escolhidos hora ou outra, mas os fortinhos sempre ganhavam. E eu era um pré-adolescente que me achava gordinho.

Quando entrei na adolescência, comecei a fazer academia. Eu queria por tudo que era mais sagrado ser magrinho, como os Colírios da Capricho, e quem sabe, até mesmo ter aquele abdome definido. Eu achava que assim eu ia “comprar” com a minha aparência toda a aceitação social que eu precisava.

Eu emagreci bastante durante a adolescência e nas épocas de academia, consegui ter o projeto de uma barriga definida que desaparecia a cada respiração mais forte que eu dava. Mas tudo bem, eu me contentava em ser só magrinho mesmo.

O tempo foi passando e eu mantive essa questão da ditadura da beleza supostamente padrão, comigo. Oscilando épocas comendo muito e épocas comendo pouco. De modo geral, comia muito pouco e sempre ficava preocupado com meu peso. Na minha cabeça, eu não podia ultrapassar certos números na balança.

E é engraçado que hoje, sou mais tranquilo com relação ao meu corpo. Não tenho mais vergonha de tirar a camiseta na praia, por exemplo. Mas não é assim pra todo mundo. Vejo uma compulsão enorme na comunidade gay para sempre ser o mais jovem, o mais “padrãozinho” possível. Mas afinal, o que é o padrão? Não era pra cada um ter o seu padrão do que quer ou não quer na vida?

Durante a quarentena, esse processo de pazes com quem eu sou, com o meu biotipo e com a minha alimentação tem sido um processo. Eu gosto de comer coisas mais leves na maioria dos dias, mas também gosto de um podrão no final de semana. Minha saúde está 100%. Faço exercícios físicos sempre que dá (não é todo dia, mas é melhor que nada). E esse processo se intensificou quando um dos Colírios, da minha época de Capricho, deu um pontapé inicial: Federico Devito e sua postagem no Instagram sobre a mudança de hábitos que a quarentena trouxe pra todos nós.

Tudo bem a gente querer se cuidar. Mas autocuidado não é autoflagelo. Não é ditadura da beleza, nem uma competição de quem tem o padrão mais padrão.

Afinal, a gente nem sabe o que é padrão.