O quebra-cabeça do que um dia foi Jimmy antes de se tornar advogado continua a ser montado em “Hero”. Em um novo vislumbre do seu passado, o jovem James vive uma vida à base de golpes que dá com a ajuda de um amigo. Ao que parece, nuances de seu passado serão agora frequentes na série. Essa construção do que ele foi forma a base para se compreender o que ele vai se tornar e como nem tudo é novo para ele no mundo do crime.
A partir disso, é possível perceber que James enfrenta situações que desafiam sua moralidade praticamente a todo o momento. E é impressionante sua capacidade de transformar uma coisa que o deixaria culpado ou que não considera como ética em algo que o beneficie sem nenhum conflito moral. Isso é muito bem exemplificado com o que acontece entre ele e os Kettleman após descobrir que o dinheiro foi mesmo roubado pelo patriarca, Craig. Aceitar o dinheiro como suborno para não falar do roubo seria errado. Porém, aceita-lo como pagamento por seus serviços de advogado seria mais do que justo, e o melhor: não levantaria suspeitas. Depois disso, era só a família fingir que saiu apenas para acampar que tudo se resolveria. James pode não ser um advogado de renome, mas sua capacidade de criar teorias e argumentos é considerável.
Resolvida, por enquanto, sua atuação com os Kettleman, o advogado usa o dinheiro que conseguiu para trabalhar em sua carreira. “Sob esta pedra edificarei minha igreja”, diz. Roupas novas, uma passada no salão e a exibição de um outdoor na cidade, nada disso foi por acaso. Muitos podem dizer que suas ações até agora acabaram se tornando erros de principiante, desde seu plano para conseguir Craig como cliente até a ligação que fez tentando alertá-lo do perigo de roubo. Mas o que não podemos esquecer é que lá no fundo temos uma mente do crime e não foi à toa toda sua nova caracterização para ficar parecido com Howard Hamlin e o uso descarado da logo praticamente igual à da firma Hamlin, Hamlin & McGill. É obvio que isso o associaria à empresa e poderia garantir alguns clientes. Entretanto, seu grande trunfo não era esse, mas ainda estava por vir.
Perder uma ação enfrentando uma firma de tamanho porte era inevitável e foi aí, após ser obrigado a fazer a retirada do outdoor, que James fez sua jogada de mestre. O que achamos que seria apenas a gravação de um vídeo em protesto à empresa onde ele se faria de coitadinho, era uma farsa. Better Call Saul exemplifica aqui, mais uma vez, uma de sua principal qualidade: a imprevisibilidade. Não apenas na história, mas nos atos do protagonista. Talvez porque já saibamos quem era Saul Goodman, o que sempre esperamos é que James tome decisões previsíveis, que o levem para um lado ruim. Mas isso não acontece. Ao mesmo tempo em que conhecemos seu passado como delinquente, também vemos uma pessoa que se sente culpada e arrependida por seus atos e que tenta, tanto quanto possível, permanecer dentro da lei. Isso nos confunde e a série aproveita muito bem essa ambiguidade do personagem para tornar suas atitudes incertas.
Voltando ao vídeo, o que seria apenas uma chance de fazer um ou outro se apiedar por sua história, acabou transformando-o em herói. James combinou com o homem que estava retirando o anúncio para que ele “acidentalmente” caísse, ficando pendurando em uma corda a vários metros do chão. E o “corajoso” advogado é quem o salva. Depois disso, claro, ele vira manchete e já começa a receber ligações de possíveis clientes. Finalmente, um de seus planos dá certo (pelo menos por enquanto).
Mas Jimmy sabe que o que fez não foi lá muito correto. Tanto que tenta esconder essa história de Chuck, que conhece bem o passado do irmão e tudo que ele já aprontou. Era certo que ao bater o olho na história ele desconfiaria do irmão. E nada deixou James mais suspeito do que a mentira que contou sobre o porquê de não ter trazido um dos jornais. O resultado disso fez com que, pela primeira vez, tivéssemos uma ideia do que se passa na cabeça atormentada de Chuck, que tem sensibilidade a todas as coisas eletromagnéticas. Isso acontece quando ele sai de casa em busca de um jornal e descobre o que o irmão escondia. De certa maneira, Chuck é a balança moral na história, aquele que tirou James da cadeia e provavelmente o fez voltar aos eixos. Descobrir o que seu irmão anda fazendo pode ser visto como um sinal de que ele está saindo de novo do controle, o que já sabemos que será inevitável.
Não poderia terminar essa review sem citar a referência à possível origem do futuro nome que será adotado por James. Quando a vítima de seu golpe no flashback pergunta seu nome, a resposta soa como “Saul”, para depois ser completada: “S’all good, man” (está tudo bem, cara).