Resenhas

Resenha: Precisamos Falar Sobre o Kevin, Lionel Shriver

Para falar de Kevin Khatchadourian, 16 anos – o autor de uma chacina que liquidou sete colegas, uma professora e um servente no ginásio de um bom colégio do subúrbio de Nova York – , Lionel Shriver não apresenta apenas mais uma história de crime, castigo e pesadelos americanos: arquiteta um romance epistolar em que Eva, a mãe do assassino, escreve cartas ao marido ausente. Nelas, ao procurar porquês, constrói uma reflexão sobre a maldade e discute um tabu: a ambivalência de certas mulheres diante da maternidade e sua influência e responsabilidade na criação de
um pequeno monstro. Precisamos falar sobre o Kevin discute casamento e carreira; maternidade e família; sinceridade e alienação. Denuncia o que há de errado com culturas e sociedades contemporâneas que produzem assassinos
mirins em série e pitboys. Um thriller psicanalítico no qual não se indaga quem matou, mas o que morreu.
Enquanto tenta encontrar respostas para o tradicional onde foi que eu errei? a narradora desnuda, assombrada,
uma outra interdição atávica: é possível odiarmos nossos filhos?

De início o livro mostra a vida de Eva visivelmente abatida, solitária, depressiva e exaurida, sem deixar, no entanto, um motivo aparente. A história é contada a partir de flashbacks para que se possa entender o porquê do sofrimento que Eva tanto carrega nos olhos. Aos poucos o telespectador é apresentado aos eventos que causaram todo o pesar na vida dessa personagem: Um crime, cometido pelo filho mais velho em uma escola, causando ferimentos em alguns alunos, professores e na própria mãe. Surge daí a pergunta: O que levou Kevin a cometer este crime? As respostas vão sendo dadas aos poucos, em cada flashback, em cada frase dita por Eva, em cada olhar trocado entre mãe e filho.

Ao longo da trama a sensação constantemente sentida é que Kevin é um ser repugnante que nasceu somente para causar o sofrimento da mãe. No entanto, é percebido também que Eva nunca sentiu o tal “espírito materno”, nem mesmo queria ser mãe.

Kevin é apresentado em três “estágios” de desenvolvimento, o que enriquece ainda mais a trama, mostrando a personalidade forte do garoto desde o nascimento. Quando bebê, Kevin se mostra um verdadeiro “chorão”, causando o stress constante de Eva, e calando-se somente na presença de Franklin, o que provoca na mãe a sensação de que filho prefere o pai. Uma cena forte que descreve detalhadamente a irritação de Eva por conta dos excessivos choros de Kevin, é o momento em que ela escolhe o barulho de uma britadeira para silenciar o som desconcertante do choro do bebê.

Ao atingir idades entre quatro a dez anos, Kevin demonstra ser uma criança cada vez mais irônica, sádica e irritante. Evitando a mãe o tempo todo. Esquivando-se das tentativas que Eva construía para interagir com ele ou provocando-a com respostas negativas e sarcásticas. Por volta dos seis anos, fase que normalmente as crianças já têm o controle dos esfíncteres, uma vez que este se faz, normalmente, entre o 2º e o 4º anos de vida, Kevin ainda faz uso de fraldas e testa sua mãe o tempo todo, provocando situações perturbadoras. Ao contrário de quando está na frente de Franklin (pai), onde se comporta exatamente como um pai quer que o filho seja: educado e orgulhoso das tarefas elaboradas pelo seu progenitor.

Com o nascimento de Lucy, a filha mais nova da família, nasce também o sentimento de exclusão vivido por Kevin. O ciúme aqui não é visto como a criança que perdeu o trono de bebê da família, mas sim, a criança que não foi tão desejada quanto esta que chegou agora. Kevin sente o desejo demonstrado pela mãe pela nova gravidez e todo o planejamento dos pais, o que possivelmente ele não sentiu quando era criança.

É nesse momento que os olhares viciosos deixam de existir, aqueles que só culpam a criança “birrenta” que é Kevin, e chega-se à conclusão que o filme não tem o objetivo de definir o papel do vilão e da vítima, mas sim, mostrar que cada um cometeu falhas que levaram a atual situação da família. Isso porque “a família constitui o primeiro e mais importante contexto social emocional e cultural para o desenvolvimento do ser humano. E dentro das relações familiares surgem condições favoráveis ou desfavoráveis para o bem-estar psicológico das crianças.

Recomendo muito lerem o livro, e assistirem ao filme porque a história é muito interessante e diferente de qualquer outra.

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