Resenhas

Resenha: Memórias de uma Gueixa, Arthur Golden

“Memórias de uma Gueixa” é um romance fascinante, para ser lido de várias maneiras: como um mergulho na tradicional cultura japonesa, ou um romance sobre a sexualidade, e ainda, como uma descrição minuciosa da alma de uma mulher já apresentada por um homem. Seu relato tem início numa vila pobre de pescadores, em 1929, onde a menina de nove anos é tirada de casa e vendida como escrava. Pouco a pouco, vamos acompanhar sua transformação pelas artes da dança e da música, do vestuário e da maquilagem; e a educação para detalhes como a maneira de servir saquê revelando apenas um ponto do lado interno do pulso – armas e mais armas para as batalhas pela atenção dos homens. Mas a Segunda Guerra Mundial força o fechamento das casas de gueixas e Sayuri vê-se forçada a se reinventar em outros termos, em outras paisagens.

Memórias de uma Gueixa é um livro no mínimo, diferente. Diferente de tudo que já li. Peguei o livro com bastante expectativa e com receio de me decepcionar, mas a cada capítulo que passava minhas expectativas só eram superadas. O livro é narrado por Sayuri, que uma gueixa já muito idosa e morando nos EUA, que concorda em contar sua história a um amigo jornalista. Com uma condição: que sua história só fosse publicada após a sua morte.

Mergulhamos (sim, literalmente mergulhamos) na cultura japonesa e em todo um universo antes desconhecido. Conhecemos a história de Chiyo, uma linda garotinha japonesa, com olhos azuis acinzentados extremamente raros e muito bonita, que foi retirada da sua família e vendida a um okyia, que era como se chamavam as casas das gueixas no Japão. Elas chegavam lá como crianças, frequentavam a escola onde deveriam aprender tudo que uma Gueixa deve saber: a dançar com leveza, tocar instrumentos musicais, servir chá, entreter os convidados com conversas interessantes, saber se maquiar, seduzir… e acredite quando eu digo, nunca imaginei que ser uma gueixa fosse tão difícil. Mais difícil que passar em Medicina ou ser Dançarina do Faustão.

Depois de passar por todos os ensinamentos, a aprendiz de gueixa ainda depende de muita coisa para conseguir sucesso em sua profissão: ela depende que a casa em que ela foi deixada e serviu quando era criança banque seus estudos como gueixa, depende que uma gueixa mais velha se disponha a ser sua “irmã mais velha” e a introduza na sociedade, apresentá-la aos homens mais influentes e principalmente, a ensiná-la com precisão como ser disputada e como seduzir os homens certos, que poderão garantir um futuro estável.

A vida de Chiyo consegue ser ainda mais complicada do que a de uma gueixa normal. Ela sofre tremendamente nas mãos de Hatsumomo, uma gueixa famosa que morava em seu okyia, e que tinha inveja da gueixa que Chiyo poderia se tornar e fazia de tudo para atrapalhar suas conquistas.

Mas mesmo contra todas as investidas de Hatsumomo, Chiyo se dedica como ninguém e se torna uma das gueixas mais famosas no Japão: Sayuri (uma gueixa deve deixar seu nome de criança ao se tornar uma mulher).  Acompanhamos de perto todos os pormenores de seu desenvolvimento: como aprendeu a dançar, seu primeiro musical, a venda do seu mizuage (como é chamada a virgindade de uma gueixa – aquela que  vender seu muziage pelo maior preço, torna-se a gueixa mais popular do ano) e em meio a tudo isso, acompanhamos a relação de amizade de Sayuri com sua irmã mais velha, Mameha e com clientes especiais, como Nobu e o Presidente.

Sayuri ainda encontra em seu caminho a Segunda Guerra Mundial, época em que ela tem que se esconder e onde tudo que tinha conquistado, todo o seu mundo havia sido destruído. (E é ai que percebemos a veracidade do livro, e como seu relato condiz com a época e com a história mundial). Quando finalmente volta a sua rotina, Sayuri tem que lidar com algo que as gueixas nunca deveriam se permitir: apaixonar-se por um homem.

A história da protagonista foi inspirada numa gueixa que realmente existiu no Japão, havendo mudança dos nomes dos personagens para preservar os filhos da protagonista, e eu sempre me perguntava se algumas coisas que aconteciam realmente fizeram parte da vida dela ou foram uma invenção literária. Com Sayuri, aprendi que não importa o que a vida nos proporcione ou o quanto ela possa ser injusta, tudo vai depender da sua resposta: se lamentar e se deixar levar ou se esforçar e ser o seu melhor naquilo que você pode ser.

“Memórias de uma Gueixa” me abriu os olhos. A ressaca literária foi enorme: fiquei pensando se ainda existiam gueixas no Japão, se elas eram realmente vendidas e se ainda eram submetidas a situações constrangedoras e as vezes cruéis para conseguir se tornar uma gueixa. E se tudo isso ainda aconteciam, como elas tinham orgulho de se tornar, de fato, uma Gueixa? Todas essas perguntam ainda estão na minha mente, mas foi algo sensacional poder conhecer um pouco de uma história que eu nem imaginava. Foi sensacional sair um pouco dessa literatura de vampiros, lobisomens, zumbis, amores eternos e cair um pouco na realidade.

PS. Um agradecimento especial a Deia, que não só me fez ler, como me emprestou esse livro maravilhoso!

 

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