Resenhas

Resenha: Marina, Carlos Ruiz Zafón

Julguei o livro pela capa, sim. E como julguei. Lá estava “Marina”, me encarando por horas enquanto eu dava voltas na livraria, não tinha certeza sobre qual livro levar, e que sorte dera, só assim pude entrar em contato com uma obra-prima. Zafón despeja todo um talento surreal em quase duzentas páginas, atira ao leitor o melhor de si, como profissional e como ser humano. É traumatizante, da melhor forma, ler a história de Oscar Dari, ou de German, ou da perfeição cujo nome é Marina.

O cenário é uma Barcelona pós-guerra. A Europa, mesmo devastada por um dos maiores conflitos já vistos em séculos, se não o maior, consegue ser retratada com todo fulgor e beleza. Oscar é um garoto incomum, tem como habito percorrer as ruas de sua cidade nas diversas escapadelas do Internato. Em uma dessas esbarra com o casarão que mudará totalmente o roteiro de sua vida. A curiosidade, como definira muito bem Carlos Zafón em diversos trechos, provoca no homem instintos diversos, o leva para situações nunca pensadas. Assim, Oscar é posto em desafio ao invadir uma mansão que acreditara está abandonada, nesta desventura ele rouba, mesmo sem desejar, um relógio que encontrara no lugar e é afugentado por um homem que surgira assim como o remorso pareceu horas depois. Em um conflito interno, Oscar decide voltar ao local e devolver o relógio ao seu verdadeiro dono. Assim embarca em histórias alheias, faz com que Marina e seu pai debrucem sobre sua janela e fiscalizem sua alma jovem e sem propósitos. O garoto não seria o mesmo.

… Aprendi que é possível viver de esperanças e nada mais. (Pág. 182)

O inicio da história apresentasse sombrio, cria-se um plano de fundo macabro para todas as ocasiões, ficamos sempre na defensiva, a espera de um homem encapuzado ou até mesmo uma mulher, com medo que de uma hora para outras os personagens sejam expurgados para páginas desconhecidas, até seu terceiro quarto de livro, “Marina” é  duvidoso. O talento singular de Zafón mistura os sentimentos que nunca imaginei estarem juntos, medo e apreço, segurança e instabilidade, tudo isso ao mesmo tempo, traçando em cada linha um rastro de sangue, um rastro de ódio que originou a história, não de Marina, ou de Oscar, mas de algo bem maior. Revela-se, quando menos esperamos, uma teia totalmente gigantesca, que embarca não somente os jovens, mas toda uma Barcelona cercada por segredos e intrigas. O ser humano posto em prova exala as piores reações, isso não foge dos faróis do autor, ele faz questão de evidenciar tais atitudes. Com o simbolismo de uma borboleta, com o realismo de tal borboleta, o livro torna-se uma ícone do gênero. De qual gênero, na verdade? Não sabemos, ou melhor, não conseguimos estabelecer um espectro nas linhas de tipos para Marina, é uma reunião dos melhores gêneros em um só lugar, trata-se de mistério, drama, horror, aventura, um emaranhado de histórias e histórias, unificadas de um modo eletrizante.

O desfecho é digno de um Victor Hugo, por desventura do destino o livro é pequeno, tem 189 páginas, é o único ponto em que podemos disparar xingamentos a Zafón. Se Marina tivesse ao menos mais duzentas páginas… só mais isso. Mas o autor sabe o que faz, sabe quando deve encerrar sua obra. A Suma de Letras nos oferece o livro com o melhor papel para leitura que já vi, a capa, como já destaquei no primeiro paragrafo, engana, de diversas modos, em momentos ela parece sombria, em outros, algo romantesco. Toda a obra tem essas inverdades, não sabemos o que está para ocorrer na página seguinte, é inquietante. Para quem procura uma breve mas marcante leitura, eis Marina, a musa de um Zafón ou um Oscar. A Marília de seu Dirceu, trágica, mas esplendorosa.

Ninguém entende nada da vida enquanto não entender a morte. – acrescentou Marina.

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