Em uma montagem moderna, vibrante e acessível ao grande público, o espetáculo Mary Stuart traz a versão contemporânea dos bastidores da rivalidade histórica entre a rainha da Escócia Mary Stuart e a rainha da Inglaterra Elizabeth I. Assisti ao espetáculo ontem (20/10) no Sesi São José dos Campos e posso dizer que foram 100 minutos de duração sem piscar.
A peça é ambientada nas últimas 24 horas de vida de Mary Stuart na Inglaterra. Depois de sair fugida da Escócia, a rainha pede asilo na Inglaterra e, ao chegar lá, fica presa por 18 anos aguardando julgamento. O enredo evidencia a rivalidade entre Elizabeth I e Stuart do começo ao fim, mesmo com a rainha da Inglaterra sendo apenas um espectro nas cenas iniciais, quando vemos apenas o sofrimento de Mary.
O argumento do drama, apesar de retratar um momento histórico permeado com ficção, continua atual, já que a luta de Mary Stuart nesses 18 anos é apenas uma: ela acredita que merece um julgamento justo, por seus pares, afinal, por ser rainha, ela acredita que pode ser julgada apenas por outra rainha e não pelas pessoas do parlamento inglês que não possuem sangue real. Ela quer preservar seus direitos e provar a sua inocência.
No decorrer do enredo, Mary continua a lutar por ter sua identidade reconhecida. Sua religião católica em um país governado por uma rainha protestante, sua linhagem de rainha, sua nacionalidade, seus direitos e até mesmo, sua herança ao trono. E isso é algo que vemos claramente nos dias de hoje, principalmente entre as “minorias” sociais. Stuart ali, aparenta ser minoria, da mesma forma que nos fazem acreditar que negros, LGBTQIAP+, povos originários, etc, são minorias nos dias de hoje. Todos querem a mesma coisa: existir com legitimidade. Por isso que talvez, nós como minorias, nos enxergamos tão desesperadamente em alguns momentos em que Mary faz súplicas e Virgínia Cavendish interpreta tão grandiosamente.
Digo que ela aparenta ser minoria, porque apesar de ter muitos apoiadores católicos na terra protestante, ninguém estava unido o suficiente, ninguém tinha forças suficientes para fazer nada. Isso te faz lembrar alguma coisa dos nossos dias de hoje? Tenho certeza que sim.
E nessa briga por legitimidade social e aprovação, vemos alguns sentimentos ressaltados, muito bem representados em Mary Stuart: inveja, competição e o desejo de superação e de ser melhor que o outro são evidenciados. Tanto que, nas cenas, Elizabeth I sempre está acima – no topo da escada, com os queixos erguidos, se colocando com um ar de superioridade que parece quase roubado de Mary e de nós, que estamos ali assistindo.
A roupagem moderna da história ainda retrata um flash de autossabotagem quando vemos que Elizabeth I só se sente mais rainha quando Mary Stuart é executada e decapitada. Ela sempre foi rainha, ela que assinou a ordem para matar Stuart, mas sempre usando a coroa nas mãos. Depois que Mary é morta, a coroa passa a estar na sua cabeça, mesmo se sentindo presa, escrava da monarquia. E spoiler da vida: por mais que a peça termine aqui, sabemos facilmente que Elizabeth I vai continuar se sentindo uma fraude mesmo depois da morte de Mary porque a questão é dela.
Assim como nós fazemos nos dias de hoje, ela externalizava algo que estava dentro dela para figuras que estavam além dela. Um paralelo com nossa vida cotidiana quando pensamos que só estaremos bem quando emagrecermos, que só estaremos felizes quando conseguirmos aquele emprego… A vida acontece mais no e se e no quando que no presente. Tanto que Elizabeth I precisa confrontar isso quando as cortinas começam a se fechar.
Com um roteiro e atuação impecáveis, Mary Stuart tem uma história cativante e um final de cair o queixo que nos mostra que o ser humano continua o mesmo, não importa em que ponto da linha do tempo ele está – hoje ou séculos atrás.
Mary Stuart continua em cartaz no Sesi São José dos Campos até 22 de outubro e depois segue para Ribeirão Preto, de 9 a 19 de novembro. Acompanhe as novidades no Instagram da peça, clicando aqui.
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