Dezenove de janeiro tornou-se um dos dias mais chocantes e desafiadores para a música do Brasil. Os rádios noticiavam, a televisão parava para homenagear a interprete, a dona de diversas faces. Morria em um dezenove de janeiro, dona Elis Regina Carvalho Costa, gaúcha, dona de uma das maiores vozes do continente. Pimenta de corpo e alma, apelidada assim porque mereceu, porque era isso e tudo mais. Elis parou um país para dizer: Até logo. E se foi Elis. Mas hoje estamos aqui, trinta e quatro anos depois para, como diz uma amiga sua de música e poesia, louvar e agradecer tamanho talento, relembrar que de Elis se foi muito, mas muito ficou. Perdemos o que tinha para oferecer, o que tantos aguardavam, mas ficamos com seu grito de revolta, sua voz que cruzou cidades e aranhas-céus, que transformou o modo de cantar. Não se cantou apenas. Depois de Elis se canta, mas canta com bravura, com sangue nos olhos. Muito obrigado, Elis. Por ser a interprete que precisávamos, por falar de conversas de bares, de bailarinas, de meninos que vendem laranjas, por deitar e rolar nos palcos da vida. Muito obrigado por apresentar talento, coisa que hoje falta em quase tudo. Por ser música, por materializar a música. Desde seu arrastão até um redescobrir imenso, fora e continua sendo aquela que não grita, mas desabafa, que não dança, mas pousa calmamente entre piruetas e lágrimas. O que foi feito devera? Fora feito muito, diríamos para a cantora. Agora, o que foi feito de Vera pouco se sabe. O que temos em mente é que a menina que rebentara não fora a mesma sempre, e hoje ganha outros significados, a cada regravação, a cada descoberta, a cada novo jovem-velho lhe encontra no fundo de um baú qualquer. Ah, Cantador, canta como ela, duvido! Ofereço tudo que tenho em uma aposta, que não exista aquele que cante como ela. Nem melhor, nem pior, mas igual. Obrigado por ser singular e ao mesmo tempo plural. Plural de um povo que não tem imagem a ser seguida, mas segue, continua vagando por ai, nem que seja com versos no canto do ouvido. Mas fora essa mesma Elis que dissera: Deixa! Deixa quem quiser falar meu bem! E nós seguimos seu conselho, esse seu que fizera tanto sucesso com seu amigo sambista, homem de fé e enviado para ter protagonismo parecido com o da companheira. Junto à Elis, obrigado também Jair, que neste momento estão fazendo a maior festa que qualquer um já viu. Samba é a palavra da vez. Morro é a palavra da vez, ou o morro não tem vez? Ah, na voz dela teve, e como teve. Mas meu mestre deu a partida, e vamos embora, vamos nos despedindo que a andança é grande, assim como a mulher. Novamente, com toda a admiração do mundo e alegria que esta nos ensinou: Obrigado, Elis. Estrela que ainda brilha, mostrando que música feita para emocionar persiste, poesia cantada com braços e pernas vigora. Canta, Pimenta, canta que a noite é longa e melhor companhia não existe.
Elis Regina
1945 – 1982