Gunda Windmüller, jornalista e mestre em Literatura, tem sacudido a sociedade alemã com perguntas incômodas. Em uma sociedade com 41 milhões de mulheres, cerca de 2 milhões a mais do que homens, a população feminina do país lida com a disparidade salarial e debate a igualdade de direitos. Em um país liderado por Angela Merkel, a imagem de progressista – de acordo com as feministas do país, como Anne Wizorek – é maior do que a realidade. Nesse contexto socioeconômico, Gunda decidiu investigar como as sociedades, não apenas a alemã, têm lidado com as mulheres solteiras.
Com base em estatísticas, digressões históricas e sociológicas, experiências pessoais e entrevistas conduzidas com especialistas no comportamento humano e com mulheres em idades entre 30 e 60 anos, a jornalista e escritora desafia a falsa noção de que somente um relacionamento amoroso confere sentido à vida feminina. Autora de Mulher, solteira e feliz, ela estreia no Brasil com o lançamento da obra pela Primavera Editorial. A ideia de escrever o livro surgiu, segundo a autora, quando terminou um relacionamento de anos e constatou que as pessoas próximas estavam realmente preocupadas com o presente e futuro dela: casamento, filhos, solidão à noite.
Em entrevista para Larissa Caldin, publisher da Primavera Editorial, Gunda Windmüller conta sobre os achados nessa jornada em busca de respostas sobre a construção do conceito do amor romântico – que permanece reduzindo as mulheres a um parceiro, relegando às solteiras a condição de coitadas. Um comportamento social que perpetua a falsa noção de que somente um relacionamento amoroso confere sentido à vida feminina.
Conte-nos um pouco sobre você e como surgiu a ideia de escrever este livro?
Meu nome é Gunda Windmüller, sou jornalista e mestre em Literatura; moro em Berlim, na Alemanha. Quando tinha 34 anos, eu terminei um relacionamento com um namorado de longa data e logo percebi que muitas pessoas estavam realmente preocupadas comigo. “Você não quer se casar, e os filhos? Você não se sente sozinha à noite?”, eram as perguntas que me faziam. Essas preocupações me intrigaram, pois eu estava realmente feliz à época. E foi aí que percebi que não somente eu desperto pena por ser uma mulher solteira, mas muitas outras mulheres também. E foi aí que decidi escrever um livro sobre isso!
Na sua opinião, qual é a maior mentira que a sociedade conta sobre as mulheres na casa dos trinta?
Que elas precisam se apressar, porque sua vida está prestes a acabar! E isso não é verdade. Nós vendemos essa ideia da beleza desaparecendo com a idade; por muito tempo, reduzimos a nossa existência à aparência que temos. Conversei com tantas mulheres na casa dos trinta que sentem que as suas vidas apenas começaram!
No livro, você diz que sente falta de uma sociedade que acredita em sua história. Na sua opinião, como as mulheres – que também escrevem coisas horríveis sobre as mulheres – podem contribuir para mudar essa sociedade? Qual é o nosso papel nessa transformação?
Acho que todos precisamos entender que também fazemos parte da mudança social. Se queremos mudar a conversa sobre as mulheres, precisamos começar a falar de forma diferente. Precisamos ser mais gentis conosco e com nossas irmãs. Por sermos mulheres, sempre pensamos que devemos ser perfeitas e – quando as mulheres se comportam de uma maneira “não tão perfeita” –, somos rápidas em apontar isso e culpá-las. Entretanto, esse não é o caminho a seguir; todos cometemos erros, estamos juntas nisto!
Você traz, em “Mulher, solteira e feliz” o conceito de “libertar o amor”. O que isso significa? Como podemos libertar o amor – e o príncipe encantado?
Acho que colocamos o amor em um pedestal. Esperamos tudo desse o amor: queremos estar apaixonadas, ser compreendidas, fazer um sexo incrível, sermos cuidadas, admiradas. Nosso parceiro deve ser tudo para nós. Mas isso não é justo; não é justo amar dessa forma. É por isso que eu gostaria de libertar o amor. Vamos ver o que é o amor, não um ideal louco, mas algo que pode unir as pessoas. É por isso que eu também gostaria de me livrar do príncipe encantado. Não é justo esperar que uma única pessoa nos salve e pinte as nossas vidas de ouro. Eu gostaria que mais mulheres se considerassem as rainhas das próprias vidas; não esperassem que algum príncipe aparecesse.
Como a ideia de “rosa e azul” influencia nosso modelo mental do que é o amor?
Esses estereótipos de gênero influenciam muitos aspectos de nossas vidas, mas principalmente na forma como pensamos nas mulheres: pessoas que desejam amar, são mais carinhosas e românticas e homens – que consideramos menos românticos, mais duros e menos necessitados de companhia. É por isso que chegamos a pensar que as mulheres precisam, desesperadamente, de um parceiro romântico; pensamos que esse é o desejo “natural” nas mulheres, enquanto consideramos os homens cowboys solitários que não precisam de ninguém. E isso não é verdade! Estudos psicológicos mostram que os homens anseiam mais por relacionamentos íntimos do que as mulheres e sofrem mais quando não estão em um relacionamento romântico. Mas, a nossa noção do amor, no entanto, foi pintada por essa ideia rosa e azul dos gêneros. Acho que é hora de reavaliarmos essas noções.
Mulheres solteiras não têm uma boa reputação. Com uma perspectiva propositiva, como podemos mudar essa noção?
Antes de tudo, acho que todos precisamos ter mais consciência das situações em que as mulheres solteiras estão sendo envergonhadas. Ou seja, mesmo que seja apenas por meio de uma pergunta como “Não entendo, por que você ainda está solteira?”. Precisamos apontar essas situações e deixar as pessoas saberem como é inapropriado reduzir as mulheres ao status de relacionamento. As mulheres são mais do que potenciais parceiros. Somos pessoas inteiras!
O que é pior na perspectiva da sociedade: ser solteiro ou não ter filhos? O que guia esse julgamento social?
Do ponto de vista da sociedade, é considerado um dever natural feminino ter filhos. Portanto, por qualquer motivo, não tê-los faz parecer que a mulher é egoísta e obstinada. Mas, novamente, as mulheres solteiras também são vistas como egoístas – o mesmo vale para muitas mães solteiras, que são consideradas incapazes de “manter” um parceiro. Acho que todas essas atitudes em relação às mulheres são bastante ruins e prejudiciais. É direito de toda mulher não querer ter filhos ou ser solteira.
Qual é a principal mensagem que você gostaria de enviar às leitoras brasileiras?
Você é o suficiente! As mulheres são continuamente informadas de que nos falta algo: um parceiro, uma família perfeita, o corpo certo. Mas, não precisamos de nada disso. Nós somos o suficiente como somos. Amem a si mesmas – é o amor que definitivamente vai durar até o fim.
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