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Crônica: O poeta é filho do desprezo e irmão do orgulho

Por muito foi difundido que o escritor, o poeta, o produtor da arte era um ser iluminado, nutrido de boas intenções e energias pertencentes à seres avançados, de que o poeta consegue captar aquela parcela invisível do ser humano, parcela essa que se transforma em concreto aos olhos do bom e velho escritor. Existe verdade nisso tudo, mas pouca, um terço pequenino entre tantas mentiras espalhadas por charlatões e iludidos com a arte da escrita.

Vinícius de Moraes escrevera “Abre teus braços, meu irmão, deixar cair, pra que somar se a gente pode dividir”. Belo não? O mesmo Vinícius também colocara no papel a seguinte frase “Ai quem me dera ter-te, morar-te, até morrer-te”, sentiu a diferença de sintonia entre uma e outra? Não? Vou usar outra como exemplo prático: “Não há você sem mim, eu não existo sem você” também escrita por Vinícius, e seja sincero, é impossível não notar as ideias contrárias entre uma e outra. Moraes na primeira é o homem apto a semear, a espalhar bondade, a dividir amor, já na segunda deixa um plano de fundo dominador, de que este é necessário para outrem e que esta outra pessoa nada seria se não fosse ele. Egoísta e usurpador da liberdade alheia, enquanto em outro local, em outro universo poético, é o sinônimo de igualdade, fraternidade e liberdade. Pois bem, meu irmão, deixa cair, e note, o poeta é traiçoeiro, é bicho estranho para os olhos e ouvidos desavisados. Entendeu onde desejo chegar? Se não, vamos para outro exemplo.

Dessa vez senhor Caetano Veloso, mundialmente conhecido por suas poesias encharcadas de fé e tradição, nutridas de um simbolismo e misticismo fora do normal, não acredita em tudo que escreve. Não acredita porque não é preciso acreditar, mas sim produzir. Em “Iansã”, composição sua junto a Gilberto Gil ele cria uma hino à dona dos raios e ventos, faz uma evocação à Oyá, mas o próprio Caetano declarara que não acredita em Deus. Perceba, existe uma linha que divide o que o poeta é e o que o poeta produz, nem tudo que o escritor coloca no papel seria o próprio, mas tudo que está no papel é produto do escritor. O que o personagem fala, é o personagem que dita, não o escritor. O que está presente na poesia pode ou não ser a verdade daquele autor, PODE, eu disse, mas não é necessário que seja. É essa a diferença do poeta para o homem comum. O poeta é uma metamorfose constante, é animal que consegue se transformar mil e uma vezes se for preciso.

O que está presente no papel, acredite, na maioria das vezes não foi vivenciado pelo autor ou sentido por este. Escritor é falso, traiçoeiro, uma mistura de ódio aglomerado e felicidade crônica, diabo em pessoa quando questionado sobre sua obra e Deus do novo testamento se elogiado e colocado em pedestais. Não se engane, meu irmão, quando ouvir de um escritor ou escritora: É, o dia está lindo hoje. É mentira, é falsa modéstia, pois escritor sabe, que lá no fundo, poderia produzir um dia mil vezes mais belo que aquele. Sobre o papel o autor é Deus e não existe sensação mais confortante e satisfatória do que ser dono de seu destino, do que ser o homem que puxa as cordas das marionetes desenfreadas.

Tenho medo das palavras ditas por seres como esses. Homens e mulheres que convivem com demônios diariamente, sem proteção alguma, apenas sua força e talento transcendente. Consigo mentalizar a batalha que ocorre sobre as folhas e folhas de papeis usadas para produzir livros que por décadas ficarão cobertos de poeira e serão por sorte atravessados por traças desnorteadas. Na mão um lápis sujo, úmido por conta de pingos de café e com ponta grosseira, simbolizando trabalho duro que não passa de ma página por dia, caso seja este produtivo, na mesa um amontoado de vergonhas e solidões. No fim, após sofrimentos internos e palavras soltas na mente, o escritor se debruça no chão frio e espera. Aguarda o fim de sua vida inútil, baseada em mentiras e sobre tudo, guiada por um narcisismo disfarçado.

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