Nem me pergunte de onde venho e para onde vou, não saberei te responder, nem se quisesse. São demasiados os caminhos, são gastas as correntes que me querem impor, a podridão do arcaico desnecessário, a pureza do arcadismo. Carpe Diem, gritou de lá, do monte. Ah, o monte.
Era quarta, linda quarta por sinal. O ônibus disparava por sobre os buracos da BR, corria como se fossemos os mais apressados ali. O motorista desbravava seu medo e o nosso, mas que medo, acidentes não ocorrem, não é verdade? Até morrermos, até ai, nada. Mas estávamos no monte. Ali, no cruzamento das diversas estradas, se encontrava um monte, um pequeno monte em meio a uma vasta planície, uma das portas para o Recife apressado, assim como o motorista. De longe nada se via naquele monte, nada mesmo, pois a tarde se despedia inocentemente, contrastando com os veículos que ali passavam ela caminhava, lentamente, até onde fosse sua casa. Mas fomos nos aproximando, e mais, e mais, até que ficou evidente. Um menino, de no máximo doze anos sobre aquele monte. Que belo monte. Foram poucos segundos de visão, mas desde aquela quarta a visão persiste. Segundos eternos.
O garoto estava sobre o monte, observando diversos ângulos, em pé, altaneiro, sem mover-se por mais impressionante que fosse. Seu calção esfarrapado, sua cabeça quase sem cabelo, seu peito negro exposto ao vento e à sorte. Que coragem a do menino, que coragem. O ônibus começou a tomar outros pontos da estrada, a girar, a criar um filme em minha mente, pois a cada imagem deixada para trás, uma nova se formava evidentemente, e lá, bem ali sobre o monte, continuava o menino. Sobre seu braço esquerdo, uma pipa, como plano de fundo o mundo despencava em uma vermelhidão proposital. Partimos. O menino ficou.
Eu daria tudo para parar ali, ficar junto ao menino, lhe fazer diversas perguntas. Não as digo aqui pois você não é o menino (Não é, certo?). Porque, menino? Porque ficar ali, se tantos alis existiam, porque logo ali? Essa eu faria para qualquer um, substitua o menino por uma pessoa, pense em tal, agora lhe faça essa pergunta imaginando o “ali”. Porque? Só me diga, as coisas poderiam ser diferentes, não?
Tudo poderia ser diferente. Eu poderia muito bem ter passado ali sem que o menino estivesse lá, poderia não ter mirado toda aquela pintura, a qual pensei por horas não ter sido real. Tão bela, tão verdadeira. O menino, o menino pode não existir neste instante, ou pode não ter existido. E se eu quisesse ter visto aquele menino, bem ali, bem naquele momento? E se passamos horas e horas imaginando meninos, imaginando que a vida pode ter seus traços modificados sem prévias, sem horários marcados? Me diz, menino, me diz porque poucas coisas podem causar tantos estragos, me explica o porque de tudo isso existir, mesmo que eu não tenha visto início e nem verei fim, me fala.
Não sei, como falei, nem me pergunte, de onde venho nem pra onde vou, pois nunca responderam. Por mais que grite, por mais que implore por respostas, nenhuma, nem um mísero sussurro. Nem o homem, nem o bem, nasceram para a reciprocidade, nem as perguntas, muito menos as respostas. Reciprocidade resguardasse para as estantes e seus livros, para as livrarias e seus viciados, para o mar e o rio, para o menino e o monte.