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Crônica: Caçador

Há quem diga que a bondade seja a responsável por acordar o homem, lhe fazer gritar e sinalizar o seu nascimento. Há quem diga. Tenho outra teoria, muitas outras até, mas a que prevalece entre tantas essas é a que não seria a bondade ou o suspiro de um deus todo poderoso, creio, que por mais rude e inocente que possa parecer, o drástico momento do nascimento liga-se diretamente com o medo. Caminha ali, lado a lado desde a corrida do espermatozoide, bravo espermatozoide. O medo está ali, presente, a partir que o feto encara seus primeiros dias. A mãe teme. O pai. Toda a família. E se for indesejado, ai meu caro amigo, misturam-se os sentimentos. Remorso, raiva, ódio, mas sobre todos eles fica o medo. Medo de ter raiva o suficiente para matar aquela criatura. Medo que a criatura tenha raiva o suficiente e quem saiba mate sua portadora. Medo de que o animal sinta medo e assim cria-se uma enxurrada de receios, de apostas. Não se aposta na vida. Se aposta sim, na morte e só nela. Tão mais bela é a morte. Serena, sem medo, mentirosos são aqueles que dizem temer a morte. Mas que nada, eles temem o que vem além dela, mas a morte em si, só ela e nada mais é o ápice da vida. Todo um filme passando em sua mente, toda uma cronologia, os amores, as rivalidades, a raiva, o ódio, o remorso. Diga-me, qual a diferença entre nascimento e morte? Qual a razão para comemorarmos um e entrarmos em luto por conta de outro? Faço-me essa pergunta todo maldito dia e todo ele não me aparece com a resposta. Respostas é o que tenho e por ter tantas essas fico perdido nessa lacuna entre vida e morte, entre rebento e alento e não sei para onde ir. Tenho medo. Medo de que chegue o momento tão sorridente da morte e a resposta não me venha. Creio, que quando tal hora chegar trará consigo o preenchimento desta lacuna. Eis outro motivo para adorarmos a morte, encararmos como um acontecimento digno de linha do tempo em redes sociais. Mas não queremos morrer, não é verdade? Temos medo. Medo de não aproveitar tudo isso, nessa lacuna que a pouco me referi, essa lacuna chamada pelos mais felizes dos poetas de: existência. Tolos. Que existência ardilosa é essa que nos presenteia com dúvidas? Não necessito de mais dúvidas, não mais. Tenho medo de não ser aquilo que espero, que almejo, de não marcar a cronologia de outros, de não ser símbolo ou modelo. De que interessa, de que serve ser modelo? De nada por sinal, mas quero. Queremos. Quero ser visto como aquele que um dia conseguiu enxergar algo, e em minha cegueira, em minha busca incansável pelo nome estampado na mente de quem puder, não sou nada. Sou terra batida, pisada por centenas, por milênios de procuras, por anos e anos de não respostas. Sou tudo isso que me dá medo. Não me conheço, por isso mesmo temo. Não vos conheço, um motivo a acrescentar. Não tenho medo do medo, isso seria racional até demais de minha parte. Tenho medo de quem sente medo. Tenho medo de mim.

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