Não é só um documentário bibliográfico, é uma obra-prima. A desumanidade viva de Simone, o pulsar de seu timbre, sua performance infernal sobre o palco, tudo isso estampado a cada cena, a cada relato emocionado de sua filha, a cada soco no estômago que nos é dado. É uma armação direcionada ao psicológico, não é um relato histórico e musical e somente isso, o filme mexe com seus conceitos de liberdade e satisfação, é um embate filosófico do início ao fim.
O ser humano sempre fora uma controvérsia. Sempre desejou passar essa imagem de uma hora aqui, outra ali. Miss Simone não fizera diferente. A Netflix nos premei-a com um dos documentários mais realistas que já vi, nada daquela lenga-lenga saudosista, elevando o estudado em pedestais, nada disso. Nina Simone é adorada quando deve ser, expurgada quando necessário, é um misto de amor e ódio que ela mesmo sofrera, é um misto que fica evidente em cada minuto do filme. Posso assistir mais uma, duas ou três vezes, mas o furor de Simone ainda me atinge, a necessidade de ser por ser alcança níveis inimagináveis. Eternizaram a imortal loucura racional de Simone.
Imagens raras foram inclusas no filme, com a qualidade que só a Netflix consegue obter, não ficou nada fragmentado ou sem nexo, cada situação em seu tempo, sem adiantar algo porque deixaria a produção mais veloz ou coisa do tipo. E falando em ritmo, “What Happened, Miss Simone” chega a ser curto, você sentirá saudades do filme logo assim que este terminar, Simone nos aparece atual e natural demais. Um ponto que é fortemente destacado é sua face política, a face política necessária para tornar a produção algo gigantesco, não se trata só de Nina, se trata de toda uma causa, a luta conjunta de homens e mulheres por uma liberdade tão falada e repassada por entre as cenas. Sr. Martin Luther King e tantos outros figuram no plano de fundo. A marcha em Selma é eletrizante, arrepia qualquer um que se interessa e se importa com as formações sociais, que se deixa levar por mortes e vidas em prol de uma causa. Algumas partes nos remetem ao indicado ao Oscar 2015, “Selma”, por conta é claro do tema, mas principalmente por toda a frieza e não piedade que nos é imposta.
Conseguiram dar uma roupagem totalmente nova para as músicas de Nina Simone, elas se entrelaçam criando uma linha emocional constante, onde somos arremessados para o íntimo e o externo de Simone, nos deixando fazer esse questionamento várias e várias vezes: “What happened?, porque ela não sustenta uma só personalidade, monstros e monstros devoram Nina e nos devoram, pois sofremos com as fases, assim como seus parentes sofreram, seus amigos sofreram, como Simone sofreu friamente. Perturbador, do inicio ao fim, inquietante, preciso, impiedoso, um dos melhores filme que assisti do gênero, indicado na categoria que lhe cabe no Oscar 2016, o documentário tem fortes de chances de levar a estatueta, mesmo brigando com “The Hunting Ground”, produção que também está disponível na Netflix.