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Resenha: Morte Súbita, J.K. Rowling

Quando Barry FairBrother morre inesperadamente aos quarenta e poucos anos, a pequena cidade de Pagford fica em estado de choque. A aparência idílica do vilarejo, com uma praça de paralelepípedos e uma antiga abadia, esconde uma guerra. Ricos em guerra com os pobres, adolescentes em guerra com seus pais, esposas em guerra com os maridos, professores em guerra com os alunos. Pagford não é o que parece ser à primeira vista. A vaga deixada por Barry no conselho da paróquia logo se torna o catalisador para a maior guerra já vivida pelo vilarejo. Quem triunfará em uma eleição repleta de paixão, ambivalência e revelações inesperadas? Com muito humor negro, instigante e constantemente surpreendente, Morte Súbita é o primeiro livro para adultos de J.K. Rowling, autora de mais de 450 milhões de exemplares vendidos.

Desde que o livro saiu, acompanho a repercussão dele na mídia, mas demorei um certo tempo até ter a oportunidade de lê-lo, então, quando finalmente o peguei em mãos, já havia sido bombardeado com todo o tipo de spoiler possível e com todo o tipo de opinião negativa que se possa imaginar. O livro é ruimO livro é uma bostaNem parece que foi a JK quem escreveu, e por aí vai. Antes de iniciar minha resenha portanto, quero deixar claro que, apesar de ser suspeito para falar da Rowling, esta resenha não é nem de longe, igual a todas que você provavelmente leu sobre a obra de arte que a autora conseguiu criar.

Morte Súbita é um livro comum. É um livro sem começo ou fim, apenas existe o meio. Deixe-me explicar de uma maneira simples: você sabe, por exemplo, quando sua vida começou, e saberá quando sua vida terminar. Nesse meio tempo entre seu nascimento e morte, você conheceu inúmeras pessoas diferentes, e na maioria dos casos, você não soube do começo da vida da pessoa, e não saberá do fim. Você apenas esteve presente num certo “meio” da existência, e vice-versa. É isso portanto, que o livro mostra. Um meio da existência, desencadeado por um fato em que todos parecem sair de um eixo vitalício. A morte súbita de Barry Fairbrother.

Não é spoiler eu dizer que o Barry morre, já que isso é o fato já apresentado na sinopse e contracapa do livro. Logo no prólogo, vemos de maneira extremamente detalhada, seus últimos momentos em vida, e sua consequente passada para o mundo de lá. A partir disso, vemos toda a cidade de Pagford recebendo a notícia de seu falecimento, e consequentemente, continuando normalmente com suas vidas. Porque é isso o que acontece após uma morte: nós seguimos em frente.

Não é o tipo de livro que apresenta aventuras fantásticas ou artifícios mágicos, mas nada disso foi necessário para me deixar boquiaberto e ansioso por cada nova página que eu começava a ler. Talvez tenha sido isso a decepção em massa da maioria dos fãs da autora, que apesar de cientes de não ser um novo Harry Potter, esperavam ao menos uma fagulha de referência àquela obra que a deixou bilionária.

Da obra escorre normalidade, mostrando, no mesmo plano, diferentes camadas sociais convivendo entre si, e pessoas aprendendo a lidar umas com as outras, além de entenderem a elas mesmas e deixarem os seus próprios fantasmas e o que há de mais primitivo dentro deles aflorar em diversos acontecimentos cotidianos que deixam o leitor espantado, ansioso e, até mesmo, enojado diante de situações e atitudes ordinárias.

A identificação dos personagens com características íntimas é algo presente em toda a obra, portanto, não se assuste ao ler, por exemplo, que determinada personagem tentou suicídio após sofrer bullying na escola, ou outro que publicou todos os podres do pai agressor na internet, escondido por um perfil fake. Porque é isso que todos possuem dentro de si, humanidade e nada além de características comuns . E, ao contrário de Harry Potter, Rowling mostra exatamente isso em The Casual Vacancy.

Outra coisa presente em peso na obra são as críticas sociais fortíssimas, direcionadas às mais diversas partes do mundo. Vemos a miséria e a fome conjugadas com o mundo fantasmagórico do mercado negro e do tráfico de drogas, prostituição e pessoas tentando dar bons rumos a suas vidas, mesmo presentes dentro dessa realidade catastrófica em que vivem.

Não fui com muita sede ao pote, afinal, muitos de vocês já haviam feito a caveira do livro pra mim. Comecei sem esperanças, não esperando um segundo Harry Potter, e digo que fui facilmente atraído para dentro da história e concluí que não sei se muitos possuem maturidade suficiente para tal leitura. Entendi perfeitamente muitos dos meus amigos que leram e não gostaram, afinal, não é o gênero preferido de todo mundo, e todos têm o direito de não gostar. Mas a diferença é que muitos deles tiveram argumentos plausíveis para desgostar da leitura, enquanto outros julgaram o livro como “mal escrito” sem possuir nem mesmo um conhecimento cultural compatível com aquele que essa leitura exige.

As mensagens filosóficas são outro tema recorrente na obra de Rowling, trazidas para a realidade em um simples pensamento íntimo de um adolescente de quinze anos ou em uma discussão entre pai e filha. Confesso que fiquei surpreso e ao mesmo tempo admirado ao ler, entre outras, a obra filosófica de Nietzsche trazida para a realidade da maneira crua e verdadeira com a qual foi escrita e pensada.

Não é uma leitura recomendada para todas as pessoas, e aqui, parafraseio Clarice Lispector ao dizer que este livro só deve ser lido por pessoas que já possuem uma alma formada. Os ensinamentos que ele nos traz, assim como a apresentação de uma realidade primitiva e crua, são como um balde de água fria que você não está esperando receber, mas que vem tão sorrateiramente que você precisa de um tempo para digerir o que acabou de ler. Não é uma leitura rápida, porque apesar da sua ansiedade, você precisará de um tempo sozinho com os seus pensamentos para refletir. Mas apesar de tudo, acredito que todos deveriam tomar esse choque de realidade em algum momento da vida, seja este com doze ou sessenta anos. Nunca é tarde para a reflexão que Joanne Rowling nos trouxe de maneira tão épica neste romance misterioso e intrigante que te prenderá da capa à contracapa.

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